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Você sabe quem foi Melanie Klein?

por Dr. Lucas Nápoli (*)

O maior nome da Psicanálise é, sem dúvida alguma, Sigmund Freud, o médico neurologista austríaco que fundou o método psicanalítico e estabeleceu os pilares fundamentais da teoria que dá sustentação a esse método. Por outro lado, podemos citar diversos outros autores que também exerceram um papel crucial no desenvolvimento da Psicanálise. Refiro-me a Sándor Ferenczi, Melanie Klein, Donald Winnicott, Jacques Lacan, dentre outros.

Neste artigo pretendo apresentar uma breve e panorâmica introdução a algumas das principais contribuições de Melanie Klein tendo em vista dois objetivos. O primeiro deles é tornar a autora conhecida para aqueles que ainda não tinham ouvido falar sobre ela e o segundo é proporcionar um quadro resumido de parte de sua teoria para quem já possui alguma familiaridade com o pensamento kleiniano.

As principais contribuições teóricas de Melanie Klein para a Psicanálise derivam de suas experiências de análise com crianças. Diferentemente do que pensava Freud, para quem a Psicanálise não seria possível com o público infantil, Klein acreditava que as crianças poderiam receber terapia psicanalítica desde que fossem feitas algumas adaptações no método que, até então, vinha sendo utilizado apenas com adultos. Klein defendia, por exemplo, que, em vez da associação livre (falar espontaneamente o que vier à cabeça), a técnica a ser utilizada com crianças deveria ser o brincar. Para a autora, é nas brincadeiras que as crianças expressam as fantasias que estão depositadas em seu Inconsciente e que se encontram na origem do adoecimento.

Utilizando a técnica do brincar com seus pequenos pacientes, Melanie Klein obteve êxito não só do ponto de vista terapêutico, mas também na descoberta de certas camadas mais profundas do psiquismo humano que até então os psicanalistas desconheciam, já que não trabalhavam com crianças. A autora via nas brincadeiras dos garotos e garotas que atendia e na relação que estabeleciam com ela durante as sessões a expressão disfarçada de fantasias que remontavam à época em que eles ainda eram bebês.

Atenta aos fenômenos que observava e fazendo uso dos conceitos psicanalíticos já disponíveis naquele momento, Klein chegou à conclusão de que no início da vida nós não nos relacionamos diretamente com o mundo real, mas permanecemos durante alguns meses confinados no interior de nossas fantasias. Isso acontece porque, ao nascermos, ainda não temos um Eu, instância que irá se desenvolvendo aos poucos. Nesses primeiros meses de vida, somos apenas um organismo dotado de duas classes de impulsos: os instintos de vida que nos empurram na direção do vínculo e do prazer e os instintos de morte que nos impelem a atacar o outro e nos defendermos dele.

A vida de um bebê nos seis primeiros meses de vida é basicamente constituída por dois comportamentos: mamar e dormir. No entanto, de acordo com Klein, na cabeça da criança pressionada pelas duas classes de instintos, não se encontra monotonia. Ávido por vínculo e satisfação, o bebê fantasia que o seio que periodicamente o alimenta é uma entidade mágica que lhe faz feliz e à qual ele deve se manter ligado para sempre. Por outro lado, quando sente fome e a mãe demora a lhe atender, esse mesmo seio se transforma num objeto mau e se torna alvo de toda a agressividade do bebê. Incapaz de suportar todo esse ódio dentro de si, o pequeno projeta parte dele e passa a acreditar que é o seio quem quer lhe fazer mal.

Todos esses processos são de natureza puramente imaginária, mas, nos primeiros meses, esse mundo de fantasia é a única realidade conhecida pelo bebê. Klein nomeou essa primeira fase da vida de “posição esquizoparanoide”. O termo “esquizo” remente à ideia de fragmentação. De fato, nesse momento, o bebê enxerga o mundo como dividido entre um seio bom, satisfatório, perfeito e outro mau, frustrante e persecutório. Já o termo “paranoide” refere-se justamente à tendência do bebê de projetar seus impulsos agressivos no seio e, por consequência, se sentir atormentado por ele.

Por volta dos seis meses de vida, o Eu do bebê já começa a ganhar uma consistência razoável, possibilitando a ele o reconhecimento gradual da realidade externa. A criança vai aos poucos percebendo que não existe um seio bom e um seio mau e que ambos são apenas aspectos de um mesmo seio que ora satisfaz, ora frustra. Essa consciência leva o bebê a experimentar pela primeira vez o sentimento de culpa. Com efeito, ele percebe que toda a agressividade dirigida ao que imaginava ser o seio mau era também direcionada ao seu idolatrado seio bom. Klein denominou esse segundo estágio do desenvolvimento de “posição depressiva” em função da presença marcante da tristeza decorrente do sentimento de culpa.

Os maiores méritos de Melanie Klein na história da Psicanálise foram os de ter demonstrado que era possível, sim, aplicar o método psicanalítico em crianças e ter chamado a atenção da comunidade analítica para a importância dos primeiros meses de vida no desenvolvimento da personalidade. Embora atualmente os escritos de Klein tenham “saído de moda”, suas contribuições continuam sendo fundamentais tanto para a Psicanálise de crianças quanto para a abordagem de certas psicopatologias como as psicoses e o transtorno de personalidade borderline.

(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ), Psicólogoclínico em consultório particular, Psicólogo da UFJF-GV, Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor dos livros “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013), “O que um Psicanalista Faz?” (Ebook, 2020) e “Psicanálise em Humanês: 16 Conceitos Psicanalíticos Cruciais Explicados de Maneira Fácil, Clara e Didática” (Ebook, 2020).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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