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Por que repetimos comportamentos autodestrutivos?

(*) Dr. Lucas Nápoli

Você já se pegou repetindo atitudes e comportamentos que sabe que não lhe farão bem? Esse é um fenômeno relativamente comum e aparece com muita frequência nas queixas que levam pessoas a procurarem ajuda psicoterapêutica. Em teoria, na medida em que sabemos que determinadas ações produzem efeitos indesejáveis, deveríamos deixar de executá-las com vistas a preservar nossa saúde e bem-estar. Contudo, não raro nos vemos repetindo tais comportamentos, como se fôssemos incapazes de aprender com a experiência. Por que isso acontece e como interromper esse ciclo de repetições autodestrutivas? Estas são as questões que procurarei responder ao longo das próximas linhas.

Inicialmente é preciso lembrar que nossa alma não é necessariamente integrada. Explico: nós nascemos com “vocação” para termos uma alma inteira, sem divisões. Contudo, a vida é complicada e nos coloca inúmeros desafios, especialmente na infância, com os quais muitas vezes nós não conseguimos lidar a não ser promovendo cisões no interior da alma. Por exemplo, diante do desafio de conciliar o amor que nutrimos por nossos pais com o ódio que muitas vezes eles nos despertam pelas proibições e frustrações que nos impõem, podemos estabelecer uma divisão na alma entre uma parte consciente que os ama e uma parte inconsciente que os odeia. Agindo assim, evitamos o sentimento de culpa que seria gerado pela manutenção do ódio consciente pelos pais. O problema é que isso faz com que não tenhamos mais controle sobre o ódio visto que ele passa a habitar a parte inconsciente da alma.

Processos como esse, em que fragmentamos nossa alma para mantermos certos sentimentos e pensamentos fora do alcance da consciência, acontecem com muita frequência com a maioria de nós. É ele o responsável por nossa aparente incapacidade de conter a tendência a repetir comportamentos autodestrutivos. Com efeito, tais ações parecem se impor sobre nós à revelia de nossa reflexão racional. Sabemos que conversar com determinada pessoa nos provocará tristeza, ressentimento e raiva, mesmo assim a chamamos no WhatsApp. Temos a certeza de que voltar para aquele relacionamento amoroso não nos fará bem, mas insistimos em tentar pela décima terceira vez. Parece haver algo dentro de nós mais forte do que nossa racionalidade, mais convincente do que nossa consciência. Esse algo é justamente aquela parte da alma que foi separada da consciência e que agora, sem as amarras do controle racional, insiste em se fazer presente em nossas vidas.

Essa parte dissociada da alma, por se manter inconsciente, não é capaz de aprender com a experiência nem amadurecer. Ela permanece, portanto, infantil, impulsiva e teimosa, buscando satisfação sem levar em conta critérios como o bem-estar, a saúde e a razoabilidade. É essa parte da alma que está no comando quando repetimos os mesmos erros. Nesse sentido, a repetição não é um comportamento absurdo. Ele é perfeitamente compreensível desde que tomemos como parâmetro a lógica do Inconsciente (a parte dissociada da alma) e não a lógica da consciência. Na lógica do Inconsciente o único critério válido é a busca de satisfação. Se essa satisfação implicará em sofrimento, não importa.

Mas o que há no Inconsciente que busca essa satisfação a qualquer preço? Ora, nessa parte dissociada da alma estão todas as necessidades, impulsos e desejos que algum dia tivemos e que decidimos fingir que nunca existiram. Os motivos pelos quais fizemos isso são variados: pode ser porque nossos cuidadores primários não eram acolhedores o suficiente para satisfazer certas necessidades básicas, pode ser porque consideramos determinados impulsos e desejos incompatíveis com a imagem que queríamos ter de nós mesmos, dentre outras razões. O mais importante é compreender que o Inconsciente passará o resto da vida tentando satisfazer essas necessidades, desejos e impulsos que foram reprimidos na infância. E as repetições podem ser justamente uma das formas que o Inconsciente encontra de buscar tal satisfação.

Pense, por exemplo, naquela moça que toda vez volta para o namorado abusivo com quem sempre foi infeliz. Conscientemente ela sabe que não deveria fazer isso, mas seu Inconsciente possivelmente encontra nessa relação doentia ocasião para buscar satisfação para uma necessidade infantil de sentir amada pelo pai – necessidade que ela manteve insatisfeita e reprimida desde a infância. Outro exemplo: aquele rapaz que foi abusado sexualmente quando criança e que na vida adulta vive se deixando abusar e buscando ser abusado por colegas e amigos. Ora, isso talvez aconteça porque o Inconsciente desse rapaz o força a repetir simbolicamente a experiência infantil de abuso a fim de que ele finalmente possa se vingar do abusador (desejo que o rapaz possivelmente reprimiu). Nesses dois exemplos fica claro que o Inconsciente não alcança seu objetivo, isto é, a satisfação das necessidades, impulsos e desejos reprimidos. É justamente por isso que a repetição se faz necessária, já que o Inconsciente não aprende com a experiência.

Como interromper esse mecanismo diabólico? Convencendo o Inconsciente. Isso mesmo: convencendo o Inconsciente a renunciar à satisfação dos anseios infantis qualquer preço. É isso o que fazemos numa terapia psicanalítica: iniciamos um processo de diálogo com o Inconsciente a fim de convencê-lo a abandonar certas aspirações infantis ou a satisfazê-las de formas que não sejam autodestrutivas.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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