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Divã do Nápoli #03

Dr. Lucas Nápoli (*)

Pergunta 01: Quais as diferenças entre psicopata, sociopata, comportamentopata e louco?

Resposta: O sufixo “pata” remete à ideia de patologia, ou seja, de adoecimento. Nesse sentido, “psicopata”, “sociopata” e “comportamentopata” designariam formas de enfermidade psíquica. Nenhum desses termos é de natureza técnica. Podem até ser utilizados por psicólogos e psiquiatras em entrevistas para a mídia ou em publicações populares, mas não se referem a categorias diagnósticas previstas pela ciência da Psicopatologia. A meu ver, são expressões que deveriam ser evitadas, pois costumam ser aplicadas em situações que envolvem questões de caráter ético, contribuindo para o processo de medicalização de comportamentos que deveriam ser avaliados na esfera da moral e não da saúde. Por exemplo, outro dia vi um psiquiatra famoso dizendo que determinado político era um “comportamentopata”. O que temos a ganhar com a introdução desse termo? Por que não mantermos a crítica das atitudes do político no âmbito da moral e dizermos simplesmente que ele está agindo de modo contrário aos parâmetros éticos mais básicos de nossa civilização? Por que “patologizar” o sujeito ao invés de julgá-lo do ponto de vista moral? Não basta dizer que ele é mau e merece punição? Por outro lado, é importante deixar claro que muitas vezes esses termos servem para designar de modo inapropriado pessoas que de fato apresentam uma forma de adoecimento psíquico chamada “transtorno de personalidade antissocial”. Indivíduos que apresentam esse transtorno (e que só podem ser categorizados dessa forma após um processo de psicodiagnóstico sério e aprofundado) apresentam severas dificuldades para experimentarem empatia e sentimento de culpa, facilitando o envolvimento desses sujeitos com crimes e prejuízos a outras pessoas. Portanto, resumindo: algumas vezes esses termos populares são utilizados para designar pessoas que apresentam atitudes e comportamentos que podem ser indicativos do transtorno de personalidade antissocial e muitas vezes são empregados apenas como uma tentativa de medicalizar comportamentos de pessoas públicas que deveriam ser julgados do ponto de vista moral. Quanto ao termo “louco”, trata-se de uma expressão antiga, que também não possui caráter técnico, e que serve para designar popularmente pessoas que apresentam transtornos mentais graves nos quais há a presença de delírios e alucinações. Tecnicamente, esses transtornos são categorizados como psicoses.

Pergunta 02: Professor Lucas, a Psicanálise funciona também em pessoas a partir dos 50 anos?

Resposta: Sim, funciona. Imagino que por “funcionar” você deve estar se referindo a remissão de sintomas, certo? Sim, a Psicanálise é um método que, se bem empregado, pode ajudar uma pessoa de 50 anos (ou mais) a abandonar sua neurose e ter uma vida sem tanto sofrimento. Acredito que você tenha feito essa pergunta por suspeitar que uma pessoa dessa idade já se encontraria num estado de tamanho enrijecimento psíquico que a Psicanálise talvez não fosse capaz de alterar. Se essa foi sua suposição, você está enganada. De fato, não podemos negar que, quanto mais velhos nos tornamos, mais rígidas vão se tornando nossas defesas, pois vamos adaptando nossa vida a elas. Isso não significa, todavia, que elas possam adquirir um grau tão elevado de resistência que não possam ser flexibilizadas. A técnica psicanalítica quando bem aplicada produz gradualmente pequenas “rachaduras” no solo duro e rígido de nossas defesas de tal forma que, pouco a pouco, elas vão cedendo e abrindo espaço para os encontros transformadores do sujeito com seu Inconsciente.

Pergunta 03: Por que as pessoas gostam de mentir?

Resposta: Sua pergunta está baseada em um pressuposto questionável: o de que as pessoas gostam de mentir. Esse é um juízo universal praticamente impossível de se comprovar. Eu diria até que não se pode sequer dizer que a maioria das pessoas gosta de mentir. A mentira é uma “tecnologia” que descobrimos e passamos a utilizar muito cedo na vida. Com efeito, as crianças mentem desde muito novinhas, a partir do momento em que descobrem que é possível criar uma realidade inexistente por meio da linguagem. Ora, a realidade é frequentemente insatisfatória e frustrante. Por isso, é natural que tenhamos uma propensão natural à mentira, pois não queremos experimentar frustração. Nesse sentido, me parece perfeitamente compreensível que um homem diga para seus amigos que a noite com a ficante da vez foi maravilhosa quando, na verdade, ele broxou. Com apenas algumas palavras, ele converteu uma realidade frustrante em uma imensamente satisfatória. Simples e barato. Por outro lado, o fato de termos uma propensão natural para a mentira não significa que DEVAMOS mentir. Faltar com a verdade é uma conduta que se fosse reiteradamente praticada por todas as pessoas colocaria em risco nossa civilização. Afinal, o que sustenta a estrutura de nossas sociedades é a relação de confiança mínima que os cidadãos têm entre si. Uma cultura na qual a mentira é tolerada está fadada ao colapso. O mesmo vale para relacionamentos amorosos ou qualquer outra forma de associação entre seres humanos.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular; Psicólogo da UFJF-GV; Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor dos livros “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013), “O que um Psicanalista Faz?” (Ebook, 2020) e “Psicanálise em Humanês: 16 Conceitos Psicanalíticos Cruciais Explicados de Maneira Fácil, Clara e Didática” (Ebook, 2020).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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