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De Trás-os Montes/Portugal para Campos de Goytacazes/BR

7.616 km separavam-nos da família Carvalho

Geraldo Tolentino e Silva
Academia Valadarense de Letras
Patrono: José Cândido de Carvalho
Cadeira nº 18

Para dissertar sobre um dos mais renomados romancistas brasileiros do século XX, o rei do neologismo, seria preciso, sem garatujar, uns vinte e tantos vidros de tinta Parker, algumas canetas Crow e escurecer centenas de laudas de papel fino.


Raquel de Queiroz o descreveu, na orelha da 58ª edição do livro “O Coronel e o Lobisomem”, sendo o escritor que colocava rabos e chifres nas palavras (sufixos e prefixos). De fato, o palavreado e a eloquência faziam com que a leitura se tornasse mais interessante e divertida.


Seus pais, Bonifácio de Carvalho e Maria Cândido de Carvalho, eram camponeses e moravam na colônia Trás-os-Montes, região norte de Portugal, num lugar de aldeias rústicas, chamado Agrochão. Dona Maria estava grávida. A ilustre personagem poderia ter nascido em Portugal ou na República de Angola, país da costa ocidental da África, mas o destino não quis assim. Sr. Bonifácio e Dona Maria já estavam viajando, de mudança para Angola, quando houve uma revolta de negros na Ilha da Madeira, e aquele incidente os obrigou desviar a rota da caravela, aportando em Campos de Goytacazes/RJ. Sorte nossa! Ali montaram um pequeno comércio. Poucos meses depois, dia 5 de agosto de 1914, nascia o primogênito José Cândido de Carvalho. A família mudou-se para o Rio de Janeiro, e, ainda criança, José Cândido trabalhou de estafeta na exposição internacional de 22. Foi ajudante em farmácias, cobrador de uma firma de aguardente e refinação de açúcar.


Ao ser anunciada a Revolução de 1930, trocou tudo o que fazia pelo jornalismo. Trabalhou em “O Cruzeiro”, tendo sido redator em vários jornais, como a “Folha de São Paulo”, “A Notícia”, “Gazeta do Povo”.


Admirador de Rachel de Queiroz e José Lins do Rego, começou a escrever seu primeiro romance “Olha para o céu, Frederico.” Em 1937, concluiu seus preparatórios no Liceu de Humanidades de Campos e veio conquistar o diploma de bacharel em Direito, pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, e ali fixou moradia.


Naquele mesmo ano, entrou para a redação do jornal “A Noite”. Ocupou o cargo de redator no Departamento Nacional do Café.


Em 1939, aconteceu o lançamento do primeiro livro.


Em 1942, Amaral Peixoto, interventor no Estado do Rio, o convidou para trabalhar em Niterói, onde dirigiu “O Estado”.


Em 1957, chefiou o copidesque de “O Cruzeiro” substituindo Odylo Costa Filho na edição internacional daquela importante revista.


Em 1970, assumiu o cargo de diretor da Rádio Roquette Pinto, onde se manteve até 1974.


Após várias tentativas, dia 23 de maio de 1973, sendo eleito, passou a ocupar a Cadeira 31 da Academia Brasileira de Letras, tomando posse dia 10 de setembro do corrente ano.


Em 1974, assumiu a direção do Serviço de Radiodifusão Educativa do MEC. Em 1975 foi eleito presidente do Conselho Estadual de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.


De 1976 a 1981, foi presidente da Fundação Nacional de Arte (Funarte), cargo para o qual foi convidado pelo ministro Nei Braga.


De 1982 a 1983 assumiu o cargo de presidente do Instituto Municipal de Cultura do Rio de Janeiro (Rioarte).

REPORTEMOS AO ANO DE 1964


Aquele foi o ano do “Golpe Militar”, mas José Cândido ignorava o movimento e a derrubada do governo João Goulart (Jango), consumado dia 1º de abril. Enquanto em Juiz de Fora as tropas preparavam o levante, José Cândido preparava o lançamento do livro “O Coronel e o Lobisomem”, aquele que seria Best Seller, e traria a sua consagração. Só após longos 25 anos – 1964 – foi lançado oficialmente. Para muitos críticos, seu estilo lembra o mineiro cordisburguense Guimarães Rosa, pelos neologismos e sonoridade, principalmente nas descrições, como as do anoitecer e as do luar na roça.


JCC, como assinava suas colunas nos jornais, parecia não ter pressa. Era dono de uma linguagem extravagante, carregada de metáforas, paradoxos e sua personagem principal, Ponciano de Azeredo Furtado, abusava da valentia e arrogância. JCC era um sujeito desensofrido e gostava de embonecrar seus textos, talqualmente se enfeita um salão de dança.


Eu, Tolentino, inaugurado dia 2 de agosto de 1950 e emboramente tenha vivido meus tempos de meninice nos ermos das fazendas Córrego das Pedras e Barro Branco, em Virginópolis, terra dos Coelho, Lacerda, Nunes, Rodrigues, Magalhães Barbalho, Soares Lima, Figueiredo… ralando o esqueletado traseiro no dorso de cavalos malhados, éguas parideiras e mulas treiteiras, em pelo, que trotavam sobre pastagens rociadas e trieiros curvaiados, lidando com vacas chifrudas e garrotes briguentos, tendo folheado livros de diversos escrevedores, nunca me deparei com bichos valentões que nem urutus, lobisomens, mulas sem cabeças, ururaus, onças pintadas… Nunca trabalhei em grandes engenhos de espremer cana. A bem da verdade, espremi e coei muita cana-caiana em engenhoca de duas moendas, cravadas de dentarias, pra sacar delas a garapa pro café. Sem capote, pra cobrir o esqueleto, sobre o animal sem calçamento nos pés magros, de dedos separados e unhas crescidas, viajei muitas léguas sob aguaceiro de pingos compridos e grossos, relampejos e coriscos brabos, tocando tropas com cangalhas e balaios com mantimentos, socado em grotas e mato do passado. Somente em 2014, quando assumi a cadeira 18 da Academia Valadarense de Letras, substituindo meu antecessor Dr. Waldir Pereira, foi que, deverasmente, tive a sensação de ter adentrado num mundo encantado, com personagens imagináveis e outras que vão além da minha imaginação! A prosa de JCC é tão instigante que dá de querer afrouxar debaixo duma açoita-cavalo e ali ficar com os vaga-lumes de olhos arregalados nas laudas negritadas e parar somente quando tivesse lido a última palavra. JCC dava nova vida às palavras, “é o homem na sua linguagem.” “Virava e revirava a língua, arrevesava as palavras, botando-lhes rabos e chifres…”, o famoso quebra-língua.

Fontes:
“O Coronel e o Lobisomem”
“ABC de José Cândido de Carvalho”
“Olha para o céu, Frederico”

                                                                 Texto de responsabilidade do autor

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