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Um antídoto para a ansiedade excessiva

Dr. Lucas Nápoli (*)

Muitas pessoas atualmente têm se queixado de ansiedade excessiva e sonham em viver de forma mais tranquila, com menos estresse e poucas preocupações. Em outro momento pude explicar que o fato de a ansiedade em excesso ter sido chamada de “o mal do século” não aconteceu por acaso. De fato, como eu disse em outra oportunidade, a forma como lidamos com a vida no mundo contemporâneo favorece o desenvolvimento de um estado crônico de ansiedade excessiva. Por outro lado, nunca tivemos tantos conhecimentos a respeito da natureza da ansiedade como na atualidade. Nesse sentido, podemos dizer que se o mundo moderno nos “envenena” com as sementes da ansiedade excessiva, esse mesmo mundo nos oferece os “antídotos” para evitarmos as consequências altamente debilitantes de um quadro patológico de ansiedade.

Hoje gostaria de apresentar a você um desses antídotos. Mas, antes, é importante que você saiba que a lógica por trás dele é bastante contraintuitiva, ou seja, a princípio você pode ter a impressão de que não faz muito sentido, mas eu vou demonstrar que faz, sim. O antídoto é: não tentar evitar a ansiedade. Aparentemente contraditório, não é? Afinal, se a ansiedade em excesso é uma experiência desagradável e incômoda, não deveríamos evitá-la a qualquer custo para vivermos melhor? A resposta é: definitivamente não. Vou te explicar por quê.

Veja: em primeiro lugar, a ansiedade não é uma emoção que você possa simplesmente eliminar da sua existência. Todos nós a experimentamos e continuaremos a experimentá-la pelo resto de nossas vidas. “Puxa, então eu nunca vou ficar livre de ansiedade, Lucas?”. Sinto lhe informar, mas felizmente não, caro leitor. O motivo é muito simples: a ansiedade é uma emoção com a qual já viemos equipados desde o nascimento, pois ela é fundamental para obtermos sucesso em nosso esforço para sobreviver. Com efeito, a ansiedade é uma experiência afetiva que surge em nós sempre que interpretamos alguma situação (ou um objeto ou uma pessoa) como perigosa. Se a sensação física e psicológica é desagradável isso ocorre justamente para que nos sintamos motivados a fugir daquela situação e a evitá-la no futuro. É como se, por meio da ansiedade, a natureza estivesse dizendo algo mais ou menos assim: “Está vendo? Essa situação pode te fazer morrer. Por isso, vou fazer você se sentir mal diante dela para que saia correndo daqui o mais rápido possível e não se exponha a ela novamente”.

Portanto, não tem como “desativar” o “app” da ansiedade porque ele já veio dentro de nós de fábrica, instalado pela própria natureza. O que podemos fazer é “calibrar” esse aplicativo para que ele funcione de uma forma mais eficiente e pare de atrapalhar o nosso cotidiano. Como se faz isso? O primeiro passo é o autoconhecimento. Precisamos entender por que a ansiedade emerge em nós com tanta frequência já que ela deveria aparecer apenas em situações que efetivamente nos oferecem risco de vida. Se ela está se manifestando o tempo todo em situações objetivamente seguras e inofensivas, isso significa que inconscientemente nós estamos interpretando essas situações como perigosas. Como a nossa mente é formada por cadeias intermináveis de ideias, é provável que, por alguma razão, tenha se formado nela uma associação indireta entre o risco de morrer e aquela situação objetivamente inofensiva pela qual estamos passando (fazer uma apresentação em público, escrever um texto, conversar com uma pessoa etc.). Nesse sentido, para impedir que a ansiedade continue sendo “disparada” nessas situações, eu preciso descobrir quais foram as associações que a minha mente fez.

Contudo, apenas mapear essas cadeias e associações de ideias não é suficiente. A parcela da nossa mente que gerencia o “app” da ansiedade não se deixa convencer com argumentos racionais. Ela precisa de uma experiência concreta e emocionalmente carregada capaz de comprovar que efetivamente aquela situação não oferece riscos. E é aí que entra o antídoto que eu mencionei. Quando você evita vivenciar o momento ansioso, a sua mente entende que as associações que deram origem à ansiedade estão corretas, pois o objetivo principal, que era estimular você a fugir, acabou sendo atingido. Por isso, se para evitar a ansiedade excessiva diante de uma prova, você sempre liga para o seu namorado na véspera do exame, ingere bebidas alcoólicas, faz uma oração, toma ansiolíticos etc., saiba: você jamais irá perder esse excesso de ansiedade. Pelo contrário: é provável que, com o passar do tempo, você comece a não suportar sequer ansiedades leves. É como se, ao evitar o tempo todo a ansiedade, você começasse a se tornar alérgico a ela.

A razão é muito simples: ao evitar a experiência da ansiedade, você abre mão da oportunidade de “provar” para sua própria mente que ela “errou” ao disparar a ansiedade naquela situação. Por outro lado, ao topar o desafio de passar pelo fluxo doloroso da ansiedade sem recorrer a nenhum comportamento de segurança ou mecanismo de fuga, é como se você estivesse dizendo à sua própria mente: “Está vendo? Eu não fiz nada porque não precisava fazer mesmo. Esta situação não oferece riscos para a minha vida. Portanto, essa ansiedade está vindo na hora errada. O seu algoritmo está mal calibrado.” Diante dessa experiência, a mente começará a se “convencer” de que efetivamente ela vem disparando “alarmes falsos” e a ansiedade excessiva e inoportuna tende a se dissipar.

E aí, está disposto a tomar o antídoto?


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogoclínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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