[the_ad id="288653"]

Cuidado: você pode se tornar um retardado emocional

(*) Lucas Nápoli

Nos últimos 25 anos, a expressão “inteligência emocional” passou a fazer parte do senso comum, graças ao best-seller homônimo escrito pelo jornalista e psicólogo Daniel Goleman. Embora contemple a palavra “emocional”, o termo engloba não apenas a capacidade de lidar bem com as próprias emoções, mas uma série de outras competências que antigamente esperávamos que todo adulto tivesse. Que competências são essas? Dentre várias outras: capacidade de suportar contrariedades e frustrações, empatia, capacidade de se automotivar, resiliência etc.

É por essa razão que não gosto muito da expressão “inteligência emocional” e prefiro empregar a noção de “maturidade emocional”. Com efeito, há uma expectativa social legítima de que todo adulto, ou seja, todo ser que chegou ao ápice da maturidade física, possua inteligência emocional. Quando abdicamos do termo “maturidade” e optamos por “inteligência”, estamos implicitamente admitindo que é perfeitamente aceitável existirem adultos que não desenvolveram as competências contempladas no conceito de “inteligência emocional” e que se trata apenas de um problema de formação e treinamento. Não! Um adulto que não tem inteligência emocional é uma pessoa que não amadureceu o suficiente e que, portanto, precisa estar ciente de que em muitos aspectos se comporta como uma criança ou um adolescente. Por isso, em vez de falarmos de inteligência emocional, utilizaremos a expressão “maturidade emocional”.

Alcançar a maturidade emocional no mundo contemporâneo é um desafio muito maior do que era há sete ou oito décadas. Na realidade sociocultural em que vivemos atualmente, tudo contribui para que permaneçamos eternamente, do ponto de vista psicológico, na infância e na adolescência. Por que você diz isso, Lucas? Ora, porque amadurecer emocionalmente significa basicamente aprender a lidar com dor e sofrimento e o mundo contemporâneo estimula você e eu a fugirmos dessas experiências o tempo todo.

O desenvolvimento humano se dá sempre em função da superação de experiências de desconforto. Vejamos, por exemplo, a experiência do nascimento. Nascer significa, em certo sentido, sair de uma experiência de paz, aconchego e harmonia vivida no útero materno para uma existência marcada logo de saída pelo incômodo. No útero, o bebê não precisava se alimentar nem respirar e usufruía de um ambiente com uma temperatura totalmente confortável. Ao nascer, o pequeno tem que imediatamente aprender a controlar a entrada e a saída de ar do seu corpo, precisa sugar o seio da mãe para ser alimentado e é colocado em um ambiente que está longe de ser aconchegante como o útero materno. Portanto, se tomássemos como critério a sensação de conforto, tenderíamos a pensar que o melhor para o bebê seria ter permanecido no corpo da mãe. No entanto, como sabemos que é bom tanto para o bebê quanto para a mãe a experiência do nascimento, consideramos os desconfortos pelos quais a criança passa como um mal necessário para a conquista de um bem maior, certo?

Pois bem, essa ideia de que o sofrimento é necessário para o crescimento parece ter saído de moda no mundo contemporâneo. Na verdade, podemos dizer que ela vem saindo de moda desde o início da Era Moderna. Caso você não saiba, antes da Modernidade, ou seja, antes do século XV, o homem vivia uma relação passiva com o mundo, entendendo-o como uma condição natural e não como um campo passível de transformação. O pensamento moderno é representado justamente pela ideia de que o mundo pode ser mudado para se adequar aos interesses humanos. É daí que surgem os ideais utópicos de sociedades sem classes, sem conflitos, sem guerras e sem… sofrimento. Assim, qualquer pessoa que tenha nascido na Era Moderna carrega em si, ainda que em estado latente, essa ideia de que é possível uma vida livre de dores, desconfortos e sofrimentos.

No mundo contemporâneo, em que o pensamento moderno atingiu o ápice do seu desenvolvimento, as inovações tecnológicas fizeram com que esse sonho utópico de uma existência sem sofrimento passasse a ser vislumbrado como uma possibilidade real. Com efeito, muitos dos incômodos pelos quais passávamos há trinta anos atrás, por exemplo, desapareceram por completo graças a aparelhos e tecnologias recentes. Aqueles que namoravam à distância e que sofriam pela impossibilidade de comunicação frequente (ligações telefônicas não eram nada baratas no passado) hoje interagem praticamente o dia todo via redes sociais e aplicativos de mensagens. Quem antes não podia escutar as músicas de sua banda preferida pela falta de dinheiro para comprar um LP ou um CD hoje pode escutar de forma gratuita praticamente todas as músicas do mundo na internet.

Experiências banais como essas fazem com que embarquemos na ilusão de que é possível (e desejável) viver sem desconfortos, sem dores, sem tédio, sem saudade, sem distância. O problema é que são justamente essas sensações incômodas e dolorosas que nos impulsionam ao amadurecimento. Evitar passar pelo sofrimento significa abdicar do crescimento. E é exatamente isso o que temos feito sem perceber, atrasando o processo de amadurecimento emocional. Como seremos capazes de suportar maiores adversidades se não somos capazes de ficar um dia sequer sem conversar com nossos parceiros via WhatsApp? Como desenvolveremos a competência de autodomínio se evitamos um segundo de tédio rolando freneticamente o feed do Instagram ou assistindo stories aleatórios? Se não nos dispusermos ativamente a passar pela experiência do sofrimento e tolerá-la, estaremos condenados a sermos retardados emocionais.


Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

[the_ad_placement id="home-abaixo-da-linha-2"]

LEIA TAMBÉM

A era das contradições

🔊 Clique e ouça a notícia Wanderson R. Monteiro (*) Estamos vivendo em tempos difíceis, onde tudo parece mudar de uma hora para outra, nos tirando o chão e a

O antigo futebol de 11 contra 11

🔊 Clique e ouça a notícia Luiz Alves Lopes (*) No futebol do passado, que encantava, situações delicadas e pitorescas ocorriam, algumas, inclusive, não republicanas, próprias do mundo dos humanos