Caros leitores, vivemos em momentos em que a busca pela realização no trabalho se tornou uma espécie de mantra. O famoso “trabalhe com o que ama e nunca terá que trabalhar um dia sequer” ecoa frequentemente nas redes sociais, palestras motivacionais e conselhos de amigos. A ideia parece irresistível. Encontrar o trabalho que nos completa, que reflete nossos valores e paixões, e com isso, não só realizar-se, mas alcançar o tão desejado sucesso. A pressão para transformar a paixão em profissão, desconsidera a realidade complexa de cada indivíduo. Em vez de libertar, acaba sendo uma armadilha. Imagine Laura, uma jovem apaixonada por música desde a infância. Sua vida foi sempre marcada por melodias, ensaios e apresentações. Aos 25 anos ela decide transformar esse amor em carreira. Inicialmente, Laura sente-se realizada. Fazer o que ama, cercada de pessoas que compartilham de sua paixão. Parece o sonho perfeito. Mas, conforme o tempo passa, ela percebe que transformar sua arte em profissão trouxe também um peso gigantesco. A pressão para ser bem-sucedida financeiramente, combinada ao desgaste emocional de viver de um sonho, a faz questionar suas escolhas. Ela se vê esgotada e com medo de perder o amor pela música. Algo que sempre foi seu refúgio. Laura, que antes encontrava felicidade nas notas, agora encontra também cobrança e ansiedade.
O caso de Laura ilustra uma realidade que muitas pessoas enfrentam ao tentar viver daquilo que amam. Trabalhar com o que amamos pode de fato trazer realização, mas isso nem sempre é sinônimo de satisfação contínua. Como bem disse o escritor japonês Haruki Murakami, “o que mais queremos é que, aquilo que amamos continue a ser uma fonte de alegria, não de angústia.” Quando um hobby ou uma paixão vira obrigação e fonte de renda, ela passa a exigir resultados, metas e retorno financeiro, que nem sempre andam de mãos dadas com o prazer inicial que aquela atividade proporcionava. O que era amor, tornou-se uma cobrança, e isso pode ser emocionalmente exaustivo. Há, ainda, um aspecto cultural a considerar. Estamos imersos em uma sociedade que glorifica o sucesso e o desempenho. Não basta fazer o que se ama; é preciso ser excelente, reconhecido e bem-sucedido. A pressão pelo sucesso, frequentemente associado ao dinheiro e ao reconhecimento, muitas vezes desvia o foco do que realmente importa para o indivíduo. Quem nunca ouviu o conselho de que “fazer o que ama” também deve “pagar as contas” e permitir uma vida confortável? É como se o valor do trabalho fosse medido, não pelo prazer de realizá-lo, mas por sua rentabilidade e status.
Isso gera uma profunda angústia, especialmente quando as expectativas não são atingidas. Afinal, nem todos os que trabalham com o que amam alcançam sucesso ou estabilidade financeira. A sensação de fracasso, nesse contexto, é ainda mais devastadora, pois toca no que há de mais pessoal e íntimo. Em vez de reconhecer a importância de uma vida equilibrada, muitas vezes nos cobramos incansavelmente por não transformar a paixão em um “projeto de vida” bem-sucedido. Mas será que o conceito de trabalhar com o que ama é realmente acessível a todos? E mais, será que ele é mesmo necessário para a realização pessoal? Eu mesmo, sou jornalista por formação acadêmica. Não trabalho com o jornalismo. É minha paixão. Escrevo porque amo. E isso já me basta. A verdade é que muitas pessoas encontram prazer e sentido em suas vidas através de atividades fora do ambiente profissional. Um jardineiro pode encontrar paz em seu jardim, uma professora, no ato de ensinar. Nem sempre essas atividades representam a maior paixão da pessoa, mas isso não diminui seu valor ou seu significado.
Há algo de libertador em saber que nem tudo precisa ser transformado em carreira, que a paixão também pode existir no tempo livre, sem exigências de lucro ou sucesso. A arte pode ser apenas arte, a música, apenas música. No final, talvez seja necessário reavaliar o que significa “sucesso”. Para alguns, pode ser a conquista de altos cargos e a realização de seus sonhos. Para outros, o sucesso pode estar em ter uma vida equilibrada, com tempo para família, amigos e sim, para as paixões que nem sempre viram profissão. E então, fica a reflexão: até que ponto transformar o que amamos em carreira nos realiza ou nos aprisiona?
(*) Jornalista e escritor
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