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Paguei língua

por Alexandre Venâncio (*)

Se você leu o primeiro texto já deve saber que eu “paguei língua”. Claro, não foi um erro tão terrível assim, mas deixa eu me explicar.

Em nossa última conversa aqui no DRD fiz questão de gritar tão alto quanto um motor V10 que Max Verstappen se transforma em um monstro no traçado brasileiro. E é verdade, não me entenda mal. Mas se o holandês procurou assombrar Interlagos, Lewis Hamilton se transformou em Dr. Van Helsing, o caçador de bestas.

Quem assistiu o GP de Interlagos sabe o que aconteceu. E quem perdeu… bom, meus pêsames. Vocês perderam a oportunidade de acompanhar um dos desempenhos mais espetaculares da história da Fórmula 1 contemporânea. Hamilton estava inspiradíssimo. Sim, os mais saudosistas vão dizer: “mas teve aquela volta do Senna em Mônaco em 1988”. Eu sei, eu sei! Senna é incomparável. Mas o que Lewis fez em São Paulo no ano de 2021 beira o absurdo.

Parada nos boxes para explicar o que é a Sprint Race

Primeiro preciso explicar um pouco do novo formato de qualificação que a Fórmula 1 está testando este ano, a Sprint Race. No formato normal os pilotos têm duas sessões de treino na sexta-feira e uma no sábado, que também é o dia da qualificação. Na quali, o grid de largada é decidido no esquema de voltas rápidas, no qual o piloto com a volta mais veloz fica com a pole position e os mais lentos ficam sucessivamente atrás. Eu poderia me estender aqui, mas não é tão necessário assim. Basicamente, o mais rápido larga em primeiro.

Na temporada deste ano, a organização da Fórmula 1 resolveu testar o formato Sprint Race e três pistas foram escolhidas para isso: Silverstone, na Inglaterra; Monza, na Itália; e Interlagos, no Brasil. O formato funciona assim: lembra das três sessões de treino que os pilotos tinham? Pois bem, elas continuam existindo; entretanto, elas passam a servir para formar o grid da Sprint Race, uma corrida curta e insana que tem como função principal enlouquecer o público, quer dizer… definir as posições da largada do domingo. É isso mesmo que você entendeu. São praticamente duas corridas em uma: primeiro o rachão, pra ver quem larga na pole, e depois, aí sim, a corrida oficial.

É importante enfatizar que essa minicorrida tem como principal característica o fato de os carros não precisarem parar nos boxes para troca de pneus e por correrem com uma configuração mais agressiva, isso faz o evento ser uma loucura com um monte de pilotos kamikaze se jogando nas ultrapassagens. E aí, como é de se esperar, o resultado dessa sprint define a largada da corrida principal de domingo. A título de curiosidade, os três primeiros pilotos da corridinha são pontuados respectivamente com 3, 2 e 1 pontos.

Ufa, essa explicação foi mais difícil do que eu pensei.

De volta à pista

Bom, agora vamos falar dos feitos mágicos de Sir Lewis em solo brasileiro. Tal qual um cavaleiro da ordem real, que defende sua honra a todo custo, Hamilton correu como se lutasse por sua vida. Aqui vão alguns números da equação Hamilton + São Paulo. Na Sprint Race de sábado ele largou em vigésimo lugar e em vinte e quatro voltas conseguiu cravar a quinta posição. Na corrida de domingo, ele precisou largar em décimo graças a uma punição, mas chegou em primeiro, deixando para trás Max Verstappen em seu touro alado. O inglês tirou este fim de semana para mostrar pra gente o porquê de ter vencido mais de cem corridas. Em dois dias, ele conseguiu o feito de ganhar vinte e cinco posições em um grid que só contava com vinte pilotos. Vocês conseguem entender o nível da loucura que foi isso? Fechando a conta, sobe um, vai dois, soma mais três, arrasta a vírgula para cá… Lewis Hamilton demonstrou a todos que na soma de uma carreira exuberante o resultado não poderia ser menos que sete campeonatos mundiais.

E fechando com chave de ouro, o cara simplesmente pega a Bandeira do Brasil e dá uma volta pelo autódromo com a flâmula verde e amarela tremulando fora de seu cockpit. Trêmulas também ficaram as vozes de Sérgio Maurício e Reginaldo Leme durante a transmissão. Mas não julgo, pois a minha também ficou.

Acho que agora consegui agradar aqueles que são old school. Viram só meus amigos, Hamilton também homenageia o Senna.

Vá te Qatar

Este parágrafo vai ser um pouco menor. Bom, pela primeira vez tivemos um GP de Fórmula 1 em Losail, circuito que fica no Qatar. Foi uma corrida interessante na qual a Mercedes de Hamilton demonstrou um baita — inesperado — desempenho, dando ao inglês a vitória.

Nosso querido e complicado Fernando Alonso conseguiu um pódio, também inesperado, além de ter sido escolhido como piloto do dia. Para mim, o nome da noite (sim, noite, porque a corrida foi noturna) foi Sérgio Pérez. O mexicano simplesmente cometeu crimes contra a humanidade naquele domingo; ninguém parava o homem. Fernando mereceu ganhar como piloto do dia por ter cravado esse pódio tão especial, mas o homem da pista foi Pérez, com certeza.

Agora é que são elas

Temos, então, duas corridas à frente. Os pilotos terão uma “folguinha” neste fim de semana. O campeonato segue indefinido e isso é lindo. Oito pontos separam o líder do vice e o final da temporada promete ser uma loucura. Saibam, meus companheiros de motor, TUDO pode acontecer daqui pra frente, inclusive corridas ruins. Afinal, as duas últimas provas não estão no calendário por sua qualidade. Estão porque um monte de gente rica pagou para colocá-las lá. Uma pena. Os pilotos voltam aos capacetes dia cinco de dezembro na Arábia Saudita. A pista é feia pra caramba, o traçado é horroroso e tem um total de 0 lugares bons para ultrapassagem. A corrida promete… ser ruim. Mas é aquela, né!? Da última vez eu paguei língua, e espero pagar de novo. FUI.


(*) Meu nome é Alexandre Venâncio, jornalista, produtor de podcasts e, graças à minha mãe, fã de Fórmula 1 desde pequeno. A dona Célia Maria viveu os bons tempos de Ayrton Senna e Nelson Piquet nas manhãs de domingo; eu, por outro lado, cresci assistindo Rubens Barrichello e Felipe Massa na TV. Admito que sou um estranho nos círculos sociais que frequento, sou conhecido como “o cara que fica assistindo carro andando em círculos”. Mas, tudo bem, é o preço a se pagar. Agora, além de ver Fórmula 1 e de falar disso pelo menos 10h por dia, eu também escrevo sobre o tema. Porque velocidade nunca é demais.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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