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Vale do Rio Doce: incluir para desenvolver (parte II)

por Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola (*)

O processo de desmatamento sistemático do Vale do Rio Doce, a partir de 1930, deixou as terras livres para a invasão do capim colonião, que se juntou aos homens para extinguir a floresta. Com a demanda crescente por carne bovina da cidade do Rio de Janeiro, capital da República, as terras do Vale do Rio Doce passaram a ser cobiçadas para engordar o gado. Assim, o capim colonião e a fazenda de engorda estabelecem uma combinação e se favorecem mutuamente, tomando o lugar da agricultura e favorecendo a expulsão do homem do campo.  No início dos anos sessenta, as terras criavam mais de três cabeças por hectare, favorecidas pelos nutrientes da floresta arrancada, fazendo do Vale do Rio Doce uma das regiões de maior produção de carne bovina do país, chegando a exportar para a Europa. Hoje a produtividade caiu ao ponto de a região não produzir carne suficiente para abastecer suas próprias cidades.

A década de 1950 foi de prosperidade para a região do Rio Doce, especialmente para a cidade de Governador Valadares; prosperidade essa que se manifesta pela elevação das taxas de crescimento populacional. A Praça do Vigésimo Aniversário, inaugurada em 30 de março de 1958, é o marco dessa crença num futuro grandioso para Governador Valadares. Em reportagem da revista “Manchete” (n. 371, 30 de maio de 1959, p. 45), podemos ler que o monumento do Vigésimo Aniversário representava “as intenções modernizadoras dominantes”.  Mas a devastação ambiental cobrou seu preço elevado e acabou por frustrar os sonhos de 1958. As décadas de 1960 e 1970 são marcadas pela fuga de capitais, fechamento de empresas e emigração generalizada para outras regiões do Brasil e para o exterior. Ocorreu uma inversão das expectativas otimistas, fazendo com que, na realidade, Governador Valadares passasse a polarizar a pobreza, pois não apenas recebia imigrantes pobres que abandonavam o campo e os municípios da região, como viu sua mão de obra mais qualificada emigrar e seu mercado regional definhar gradativamente.

Qual a razão do retrocesso, se as expectativas eram tão promissoras em 1958? A questão estava no modelo econômico baseado no extrativismo mineral e vegetal. A economia da região sofre, nas décadas de 1960 e 1970, um golpe profundo com a crise da mica, causada pela debilitação do mercado externo; o esgotamento das reservas florestais, que provoca o fechamento das serrarias e das fábricas de ferro gusa; o esgotamento dos solos, que levou a pecuária à decadência. Na verdade, esse é o quadro mais geral que atinge amplamente toda a região do Rio Doce e do Mucuri. O movimento demográfico é o indicativo da inversão que ocorreu. Nas décadas de 1960, 1970 e 1980, as regiões do Rio Doce e do Mucuri apresentam um quadro de esvaziamento populacional: os dados do censo demográfico (1991) indicam 1.546.568 habitantes, o que representa uma diminuição de 9% em relação à 1960, quando o número de habitantes era de 1.701.816. A população dessas duas regiões, excluindo o Vale do Aço, que representava 17% da população do Estado de Minas Gerais, passou para 14% em 1970 e 11% em 1980. Somente na década de 60, as regiões de Governador Valadares, Teófilo Otoni e Caratinga perderam 584.000 habitantes. Nas três décadas (1960, 1970 e 1980) foram mais de dois milhões de habitantes, ou seja, perdeu todo crescimento vegetativo e mais um pouco.

A pecuária, que havia se tornado uma atividade econômica importante, mostrou-se incapaz de absorver a mão de obra desligada das atividades produtivas, relacionadas ao ciclo extrativista. Na década de 1980, a pecuária também retrocede, em função do esgotamento dos solos e degradação das pastagens de capim colonião. O quadro econômico da região e de Governador Valadares, a partir de 1980, ganha tons mais cinzas com o declínio acentuado da pecuária e fechamento dos frigoríficos, num contexto de economia brasileira mergulhada numa profunda recessão e inflação, apesar dos diferentes planos econômicos, por toda a década de 1980, até o Plano Real. A situação se reflete na falta de recursos dos municípios da região, com queda acentuada das rendas das famílias e os desaparecimentos dos empregos. Em Governador Valadares não é muito diferente, apesar do tamanho da população e a economia da cidade amortecer os efeitos negativos, encobrindo até a percepção dessa realidade adversa. Entretanto na década de 1990 era evidente a falta de dinamismo da receita municipal e a estagnação econômica, não sendo pior devido a emigração para o exterior e as remessas de dólares.

Em 28 de novembro de 2003, em apoio à primeira proposta de inclusão dos municípios da nossa região na SUDENE, Projeto de Lei nº 467/2003, apresentado pelo Deputado Leonardo Monteiro, fui convidado pela Ardoce/Assoleste para ser o porta-voz e apresentar aos deputados a tese da inclusão de municípios de Minas Gerais na área de atuação da SUDENE, na audiência pública realizada na cidade de Montes Claros, pela Câmara dos Deputados. Para demonstrar a tese, partimos da realidade da microrregião de Governador Valadares, pois ela apresenta uma situação sincrônica mais satisfatória quando comparada às outras microrregiões, exceto a de Ipatinga. Demonstramos aos deputados que havia uma situação estrutural que não dependia da dinâmica da economia estadual e nacional, pois prevalecia regionalmente uma tendência à involução continuada do conjunto dos municípios incluídos na proposta do projeto de lei. Os dados apresentados confirmavam que não houve alteração da estrutura produtiva e da dinâmica econômica, apesar da retomada do crescimento econômico brasileiro, a partir do Plano Real. Entre a proposta inicial e a aprovação pelo Senado, foram 18 anos de trabalho e persistência. Continuamos na próxima quinzena.

(*) Professor do curso de Direito da Univale; Professor do Mestrado GIT/Univale; Doutor em História pela USP

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