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Território e desenvolvimento: uma reflexão sobre nosso futuro

por Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola

Existimos e vivemos num determinado lugar (cidade, vila, povoado ou comunidade rural), essa é a realidade! Fora isso, o resto são apenas representações e ideias, com pouca realidade concreta. Quando se está no estrangeiro, se nos perguntam de onde somos a resposta é automático: “do Brasil”. Entretanto, se refletirmos criticamente, chegaremos à conclusão de que ninguém mora no Brasil, porque essa realidade é apenas uma representação de uma ideia que foi construída social e politicamente depois de 1822, com dois momentos principais: o reinado de Dom Pedro II e a era Vargas.  Na verdade, cada pessoa vive em um lugar determinado, sua cidade, vila, povoado ou comunidade rural. Nesse local estão suas pegadas diárias, seus amores, amizades e desafetos, ou seja, a concretude de sua vida e trabalho.

Os lugares próximos são ligados um ao outro, tendo como ponto de centralidade uma cidade polo. O conjunto desses lugares forma uma região particular, que pode ou não desenvolver identidade e uma consciência coletiva com capital social, capital cultural e capital institucional suficiente para gerar uma força política capaz de se projetar em escalas maiores, até mesmo na esfera nacional ou global. Quando isso ocorre a região se torna um território e expressa uma territorialidade, que é seu DNA. Entretanto, isso dificilmente ocorre, porque depende de pessoas e suas lideranças, dos ambientes sociocultural e institucional e, principalmente, dos atores locais superarem os interesses “paroquiais”, partidários-eleitorais e de pequenos grupos de elite.

O mais comum é fracionamento e disputa entre os lugares próximos e, dentro de cada lugar, entre os diferentes grupos sociais, numa relação destrutiva do tipo amigos versus inimigos. Prevalece o maniqueísmo, que divide o mundo: estão comigo, são meus amigos; estão contra, são meus inimigos. Tudo vira disputa eleitoral. Outra dificuldade difícil de superar refere ao papel da cidade polo na construção da unidade que cria o território. A centralidade da cidade polo quase sempre é desagregadora, quando deveria ser positiva e agregadora. O território com um sentido de bem comum, propósitos comunitários e força política é uma construção social. Nesse sentido, é  ambiente de vida, ação e pensamento de uma comunidade. A territorialidade resultante expressa identidade cultural e subjetividades individuais partilhando um sentido de coletividade. Significa que não se tem o território se não existir uma dimensão psicossocial fundamentada no sentimento de pertencimento das pessoas, famílias e atores sociais à região.  Para isso é fundamental as raízes histórico-culturais e socioambientais comuns. O problema que isso não é suficiente, se não tiver os construtores, ou seja, não adianta ter todos os materiais, mas faltar o projeto, arquiteto, engenheiro, mestre-de-obras, pedreiros, ajudantes etc. não se levanta o prédio. Sem lideranças não nasce a configuração política e identidade simbólica que produzem o território.

Com essa reflexão, quero mostrar a importância estratégica da cultura, do social e do institucional para se conduzir uma gestão estratégica e integrada do território, capaz de no primeiro momento produzir o próprio território. Se é uma gestão estratégica depende de planejamento, planos e lideranças comunitárias, isto é, atores sociais e políticos que sejam habilidosos para colocar as disputas menores de lado quando se trata do interesse coletivo do conjunto, ou seja, da região.  Entre nós, brasileiros, isso é muito difícil, porque o patrimonialismo não deixa. O que significa isso? A classe política no Brasil tende a ver a coisa pública (res pública) como propriedade particular e grande parte das pessoas tendem a ver como coisa sem dono. Nos dois lados prevalece a cultura da esperteza, com a classe política levando-a a máxima potência. Não interessa a coletividade, o importante é levar vantagem, sem ligar se vai prejudicar pessoas, famílias ou toda comunidade.  É a famosa Lei de Gérson (que pelo jogador que foi não merecia isso), que nasceu da frase da propaganda de cigarro (1976),  que saiu da boca do campeão do mundo da copa de 1970: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!”

O território é antes de tudo a principal ferramenta para uma gestão integrada capaz de produzir um desenvolvimento verdadeiro. O território não resulta apenas de propósitos escritos em documentos oficiais, discursos políticos ou textos acadêmicos. Tem uma dimensão psicossocial e política fundamental, capaz de sepultar a herança da cultura política e social do patrimonialismo, ou seja, criar um novo contexto no qual os interesses particulares de alguns sejam substituídos pelos interesses comunitários de todos. A questão aqui não é romântica nem moral, mas essencialmente política. A realidade social é feita de pessoas de carne e osso, com interesses em conflitos e visões de mundo opostas, não se trata de achar que não vai existir conflitos e que não vai ter hora de “quebrar o pau”. A questão aqui é política e estratégica, ou seja, é sobre a capacidade e habilidade dos atores locais de construir consenso, projetos comuns e, dessa forma, criarem uma história diferente daquela que o Vale do Rio Doce viveu até hoje: esvaziamento econômico, emigração da população, pobreza e vulnerabilidade social, adoecimento sistêmico das pessoas, profunda crise ambiental e uma nulidade político cultural. Pode parecer um panorama deprimido, mas ver a realidade é o primeiro passo para mudar o rumo da história.

(*) Professor do Curso de Direito da Univale
Professor do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território – GIT
Doutor em História pela USP

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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