‘Ter o direito ao voto não nos garante acesso a outras coisas’

FOTO: Kissyla F. Pires/DRD

Pesquisa de doutorado de professora da Univale revela diversidade entre as mulheres e desafios ainda vividos por ela

GOVERNADOR VALADARES – Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de São João del Rei, a professora doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Deborah Vieira, desenvolveu uma pesquisa importantíssima sobre a participação da mulher na sociedade moderna.

Na pesquisa, a professora da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) avaliou as conquistas femininas na política e chegou a importantes conclusões. Conversamos com ela sobre os resultados da dissertação. Ela falou ainda sobre como a mulher está inserida na sociedade atual, os principais desafios e o que fazer para mudar paradigmas.

Confira os principais trechos da entrevista nesta edição. Para ver a entrevista completa acesse nossos canais no YouTube ou Spotify.

FRED SEIXAS – Como foi a pesquisa para o seu doutorado?

DEBORAH VIEIRA – Era um desejo meu, de pesquisadora, e como mulher, também, porque eu observava que tinham poucas pesquisas sobre mulheres na política. Fazendo um levantamento sobre comunicação, política e gênero, percebi que faltavam pesquisas sobre o Legislativo. Tinham muitas pesquisas sobre o Executivo, especialmente após termos a primeira mulher presidente, que foi a Dilma [Rousseff]. Mas faltava isso. Aí eu observei essa lacuna e fui pesquisar quem eram as mulheres eleitas. Na época, eu peguei o recorte das Eleições de 2018, que até então a gente tinha o maior número de deputadas eleitas, que eram 77. Hoje a gente já tem um pouco mais, que são 91, que é muito bom, mas, ao mesmo tempo, ainda não é um número representativo [a Câmara dos Deputados possui atualmente 513 deputados no total. As mulheres representam apenas 17,7% do total]. Eu observei 15 das 77 deputadas. Eu tentei pegar de todos os aspectos políticos, classes, raças e etnias para tentar fazer um recorte de Brasil e um mapeamento de quem são essas mulheres eleitas e quais bandeiras elas representam.

FRED SEIXAS – E o que você aprendeu ao fazer essa pesquisa?

DEBORAH VIEIRA – Foi possível notar que a gente tem um crescimento da participação feminina, um envolvimento maior das mulheres na política, mas que, muitas vezes, não representa o total de mulheres, a diversidade e as diferentes mulheres que existem no nosso País. Em questão de eleição, a gente tem ainda um eleitorado majoritariamente branco, que tem condições financeiras maiores, mas ao mesmo tempo a gente tem deputadas que quebram um pouco disso e representam a maioria brasileira: mulheres negras, mulheres de periferia, a gente teve também, em 2018, a primeira mulher indígena, e isso é muito bacana por representar diferentes parcelas da população. Acredito que o que aprendi mais foram as questões de gênero, de modo geral, e também foi possível observar que essas mulheres nem sempre defendem as bandeiras que a gente pensa que seriam das mulheres progressistas. Ela foi muito interessante porque a gente conseguiu ver quem era a legislatura que a gente estava tendo, que abriu portas para outras. A gente teve a primeira deputada indígena mineira, eleita em 2022, a primeira trans mineira. Então acaba sendo importante, porque abre espaço para outras mulheres, pensando nessa diversidade de mulheres que a gente tem.

FRED SEIXAS – Quais os principais obstáculos que a mulher enfrenta na sociedade atualmente?

DEBORAH VIEIRA – Essa é uma ótima pergunta, porque a gente enfrenta diversos obstáculos no dia a dia. Claro que a gente já desenvolveu muita coisa. A gente hoje tem o direito de casar ou não, de ter filhos ou não, de não ser reconhecida mais como uma propriedade, apesar de muitas pessoas ainda terem essa concepção. Mas eu acredito que o que a gente mais tem de desafio hoje é o combate à violência, não só física, mas psicológica, simbólica. Ocupar os espaços também de altos cargos de poder, tanto na política, como na gerência. A gente sabe que as mulheres têm competência, mas ainda não são vistas nesses cargos. E também é importante pensar que a gente precisa criar uma rede solidária entre nós mesmas. Por muito tempo a gente foi dividida, colocadas umas contra as outras. É muito bacana a gente poder estender a mão para a amiga, a irmã e afins e trazer ela para a sociedade para ocupar esses espaços que ainda não eram ocupados. Olha: você pode ser piloto, você pode ser astronauta, cientista, você pode ser o que quiser, não só voltado para a política do cuidado do maternar, mas que a gente tem outras escolhas.

FRED SEIXAS – E como a educação pode ser libertadora para as mulheres?

DEBORAH VIEIRA – Eu acredito que a educação é a principal ferramenta para todos e todas. Porque é por meio da educação que a gente cria uma consciência, um pensamento crítico. A gente começa a ver a realidade não só do nosso ponto de vista, do nosso mundo. A educação é o ponto não só de virada para esse aprendizado, esse pensamento crítico, mas também é o ponto de apoio. Por exemplo, enquanto professora, mulher, muitos me perguntam por que eu não fui para o jornalismo. Eu acredito muito na comunicação, mas eu não acredito numa comunicação sem educação. Porque não adianta eu tentar passar uma mensagem se o público não vai ter condições de compreender. A educação faz esse papel de formar pessoas que veem a realidade de forma crítica, que pensam em mudar essa realidade e não naturalizar preconceitos ou quaisquer outras coisas que venha a impedir que as mulheres e as demais pessoas não cheguem onde elas querem chegar ou nem tenham consciência que elas podem chegar. A educação liberta, abre a mente e permite que a gente tenha outras possibilidades.

FRED SEIXAS – É muito recente a participação feminina na política. Como essa liberdade de participar contribuiu para o fortalecimento da mulher na sociedade?

DEBORAH VIEIRA – Quando a gente pensa em cidadania, a gente só pensa em política, direitos civis e afins. Mas a gente tem uma terceira cidadania, que é a social. Então pra gente, enquanto mulher, quando a gente teve as ondas do feminismo, que foi lutar pelo voto, e conseguiu, a gente achou que, como diz Angela Davis [filósofa], que era o século, que a gente venceu. Só que ter o direito ao voto não nos garante acesso a outras coisas e não nos garante ser votadas. Especialmente numa estrutura que vem de uma origem patriarcal, na qual o homem manda. A cidadania social é algo que a gente ainda luta. Ter condições dignas de viver, por poder ser livre e continuar sendo. É muito importante ressaltar que em momentos de crise a chance de que a gente perca nossos direitos é muito grande. Essa liberdade é muito importante, mas ela continua sendo uma luta diária dos grupos e diferentes mulheres e movimentos feministas.

FRED SEIXAS – A violência contra a mulher é uma questão cultural?

DEBORAH VIEIRA – Essa pergunta é uma pauta para discussão de muitos programas. Mas é sim. É uma questão cultural muito forte. A gente tem um termo que é muito interessante quando a gente pensa no apagamento e na nossa sociedade atual, sociedade ocidental, que é o termo epistemicídio: que seria uma junção de genocídio, que é a morte em massa, e o termo conhecimento. Então epistemicídio, ele é a morte do conhecimento, não só do corpo, mas desse apagamento cultural. Quando a gente pensa nas mulheres ao longo da história, a gente teve esse processo de epistemicídio durante a época da inquisição, quando muitas mulheres foram consideradas bruxas, por serem sábias, por terem o conhecimento de ser curandeiras, que era líder de comunidades, que questionava. Então houve um apagamento em massa. Tanto que o [Ramón] Grosfoguel [sociólogo porto-riquenho] fala que as mulheres foram queimadas como livros vivos. E de fato foi. A nossa sociedade, além de ter todo esse apagamento histórico, ainda tem todo esse processo de opressão e hierarquização. Então nós mulheres, enquanto indivíduos, ainda estamos no processo de construção e de descoberta também do nosso passado, de apresentar o que as mulheres já fizeram pelo mundo, pela ciência. Então a gente vive esse processo de violência física, mas que também passa por outros tipos de violência, quando, por exemplo, você não é contratada porque está grávida ou pode ficar grávida, ou quando duvidam da sua capacidade porque você é mulher e não pode fazer isso. Então ainda tem esse processo cultural, que vem de todo o histórico que ainda é muito enraizado na cultura brasileira.

(*) A professora Deborah Vieira falou também sobre a mulher ainda ser um objeto para muitas pessoas, sobre a cultura da posse, que é refletida em comportamentos abusivos e sobre diferentes tipos de violências sofridas pelas mulheres em pleno século XXI. Falou também sobre o papel da mulher na busca por seus direitos e o como os homens podem contribuir para essa causa. Confira a entrevista completa em nosso site, ou em nossos canais no YouTube e Spotify.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

[the_ad_placement id="home-abaixo-da-linha-2"]

LEIA TAMBÉM