Quando ouvi sobre o SinPatinhas, fiquei animada com a ideia de um cadastro nacional gratuito para cães e gatos, incluindo RG Animal e QR Code. Como tutora da Kiwi, minha husky siberiana, entrei no site para cadastrar, mas encontrei um sistema congestionado. Embora ainda não tenha visualizado a carteirinha dela, outros tutores já a receberam, como a mãe do Nick Gomes Brito, um spitz alemão que já está com o RG na mão. Ver o rostinho do nosso bicho em um documento oficial é uma alegria, e vale o esforço.
Mas o SinPatinhas vai muito além da fofura da carteirinha. Esse cadastro está alinhado a uma transformação mais profunda no Brasil: a forma como a lei enxerga os animais de estimação está mudando — e para melhor.
Do “bem móvel” ao ser senciente
Hoje, de acordo com o Código Civil em vigor, um cachorro ou um gato é legalmente tratado como se fosse um móvel da casa — um bem, como um sofá. Porém, o Projeto de Reforma do Código Civil, que está em tramitação no Congresso Nacional, propõe uma virada histórica: reconhecer os animais como seres vivos sencientes, ou seja, capazes de sentir, com valor próprio e proteção jurídica específica.
Essa mudança aparece de forma clara em três artigos do projeto: O Art. 19: reconhece a afetividade com os animais como um valor jurídico, afirmando que ela compõe o entorno sociofamiliar da pessoa. Art. 91-A: afirma que os animais têm natureza especial e merecem proteção jurídica própria. Até que uma lei específica regule isso, os animais continuarão sendo protegidos por regras relativas a bens — mas apenas quando essas regras forem compatíveis com sua sensibilidade e o Art. 1.566, §3º: prevê que ex-cônjuges compartilhem a guarda e os custos dos pets após o fim da relação, assim como se faz com filhos.
Essas propostas sinalizam algo que muitos de nós já vivemos na prática: nossos animais são parte da família, e a lei precisa reconhecer isso.


E o que isso tem a ver com o SinPatinhas?
Tudo. O registro nacional de cães e gatos é um passo concreto nessa nova lógica jurídica e social. Ao cadastrar seu pet, você não está apenas gerando uma carteirinha bonitinha — você está ajudando o país a reconhecer que ele existe, e que merece cuidados específicos, acesso a políticas públicas e, acima de tudo, um vínculo formal com você, seu tutor.
Essa vinculação legal será essencial para que os direitos dos animais sejam respeitados. Afinal, se a lei os protege, alguém precisa ser responsabilizado por eles — e é aí que entra o tutor.
Mais organização e segurança no condomínio
Quem vive em condomínio sabe: animais podem ser motivo de muito amor… ou muita confusão. Fugas, barulhos, visitas com pets, uso das áreas comuns… Tudo isso pode (e deve) ser organizado com mais clareza. E é aqui que o SinPatinhas também entra como uma ferramenta de apoio à gestão condominial.
Síndicos podem, sim, exigir o cadastro dos pets, desde que com bom senso e dentro da legalidade. Isso ajuda a manter um controle responsável da presença dos animais, tanto dos que moram ali quanto dos que apenas visitam. Com o RG Animal em mãos, identificá-los fica fácil — e resolver problemas também.
Políticas públicas, bem-estar e cidadania
Além disso, ao registrar a Kiwi no SinPatinhas, eu passo a receber informações sobre castração, vacinação, microchipagem e outros serviços gratuitos oferecidos na minha região. Isso é especialmente útil para quem cuida de vários animais, como ONGs ou protetores independentes.
O sistema é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e faz parte do ProPatinhas, um programa nacional que busca estimular a guarda responsável, combater o abandono e descentralizar políticas de cuidado com os animais.
Com base nesses dados, o governo pode planejar melhor onde atuar, como usar os recursos públicos e como garantir saúde e segurança — tanto para os animais quanto para as pessoas, já que muitas zoonoses (doenças que passam entre humanos e animais) são evitadas com medidas simples e bem planejadas.
Registrar é reconhecer valor — e assumir responsabilidade
Em resumo, o SinPatinhas não é só um cadastro. É um passo a mais na direção de uma sociedade que valoriza a vida em todas as suas formas. É organização para o condomínio, planejamento para o poder público e respeito aos direitos dos animais.
Sim, pode dar trabalho no começo. O sistema está sobrecarregado, e talvez o RG do seu pet ainda não apareça de primeira. Mas vale tentar, vale insistir. Afinal, quem não quer ver o rostinho do seu companheiro estampado na identidade — e protegido pela lei?
Cleuzany Lott é especialista em Direito Condominial, Presidente da Comissão de Direito Condominial e Membro da Comissão de Direitos dos Animais da 43ª Subseção da OAB-MG em Governador Valadares, Diretora Nacional de Comunicação da Associação Nacional da Advocacia Condominial (ANACON) e Diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM). Atua como síndica, jornalista, palestrante, CEO do Condominicando e cursista do MBA em Administração de Condomínios e Síndicos com Ênfase em Direito Condominial – Conasi.
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