
Você se considera uma pessoa ansiosa? Sem medo de errar, eu diria que muito provavelmente você respondeu a essa pergunta com um enfático “Sim!”. Nove em cada dez pacientes que atendo em meu consultório e na universidade apresentam a ansiedade excessiva como uma de suas queixas. Não é por acaso. O excesso de ansiedade tem sido apelidado por alguns profissionais de saúde mental de “o mal do século”. Se a depressão foi a modalidade de adoecimento psíquico mais marcante da segunda metade do século XX, os transtornos de ansiedade se apresentariam como a categoria mais representativa do mal-estar neste início de século XXI.
De fato, vivemos numa realidade sociocultural que, em certo sentido, exige que sejamos ansiosos. Por exemplo, praticamente todas as empresas do setor privado e até algumas instituições públicas têm adotado o sistema de metas como estratégia de estímulo à produtividade de seus colaboradores. Tal sistema faz com que o trabalho seja vivenciado como uma eterna corrida contra o tempo. Com efeito, a cada minuto perdido, a meta se torna mais distante. O indivíduo é levado, então, a ficar dividido: um olho no presente (na execução do trabalho) e outro no futuro (na meta a ser alcançada). O risco de não atingir o objetivo que lhe foi demandado leva o sujeito a experimentar a sensação de estar sob constante ameaça. E esse estado emocional é justamente o que chamamos de ansiedade. Movida por tal condição afetiva, a pessoa passa a estar o tempo todo em alerta a fim de não perder nenhuma oportunidade.
Você deve ter percebido, então, que, nesse contexto, ser ansioso é uma vantagem competitiva. Quem responde à pressão das metas com ansiedade tem mais probabilidade de empregar toda a sua energia para alcançá-las do que alguém que vive, por exemplo, no “modo Zeca Pagodinho”, ou seja, deixando a vida levá-lo. O ansioso preocupa-se em excesso. Logo, faz planejamentos detalhados e de longo prazo. O ansioso é impaciente, sofre com a espera. Por isso, é proativo, tem inciativa, está sempre tomando a frente. O ansioso não consegue dormir, pois tem dificuldade de se desconectar dos problemas. Assim, ele acaba trabalhando não só durante o seu expediente. Em sua mente, ele está o tempo todo fazendo hora extra. Em suma, um colaborador ansioso reúne tudo aquilo que o mercado de trabalho contemporâneo deseja.
Assim, não é uma mera coincidência haver tanta gente sofrendo com ansiedade no mundo atual. Como eu disse, o contexto sociocultural contemporâneo implicitamente pede que sejamos ansiosos.
Tecnicamente, a ansiedade é uma reação psicofisiológica com a qual fomos equipados pela natureza que nos ajuda a lidar com situações de perigo. Quando experimentamos ansiedade, nossa mente e nosso corpo entram no “modo defesa”: nosso corpo se prepara para que possamos lutar ou fugir, ficamos mais atentos a detalhes e exageramos o potencial destrutivo daquilo que nos ameaça ao mesmo tempo em que menosprezamos nosso potencial de enfrentamento. Quando estamos diante de um perigo ou ameaça reais, todas essas reações são uma mão na roda, pois de fato nos ajudam a sobreviver e nos mantermos em segurança. O problema é que a imensa maioria das pessoas não experimenta ansiedade diante de perigos reais, mas frente a ameaças imaginárias ou artificialmente construídas (como as metas, por exemplo).
Quando um jovem se sente ansioso diante da possível percepção negativa que as pessoas terão em relação à foto que ele postou no Instagram, trata-se da reação a uma ameaça fictícia. O possível feedback negativo não comprometeria a sua segurança nem colocaria em risco sua sobrevivência. Todavia, inconscientemente, é isso que ele acha que aconteceria se recebesse poucos likes na tal foto. Por essa razão, se sente ansioso. Sem perceber, esse jovem passou a lidar com a opinião dos outros como se fosse uma questão de vida ou morte. Se o feedback for positivo, ele sobrevive; se negativo, morre. É essa ideia absolutamente falaciosa que habita o inconsciente desse sujeito e que o leva a experimentar ansiedade.
A grande maioria das situações que nos provocam ansiedade são semelhantes a essa. Vivendo num contexto civilizado e relativamente seguro, criamos perigos artificiais e ameaças imaginárias e, assim, passamos a experimentar a vida como se estivéssemos sozinhos no interior da floresta amazônica, correndo o risco de ser mortos por serpentes venenosas e onças famintas. Fala sério! Não é assim que você eventualmente se sente em seu ambiente de trabalho, na faculdade ou mesmo num relacionamento amoroso?
O que fazer, então, para não viver dessa forma, reagindo por meio da ansiedade excessiva a perigos que não são tão ameaçadores quanto parecem? A resposta é: por meio da reconciliação com a realidade objetiva, objetivo que só pode ser alcançado por meio de uma cuidadosa investigação da realidade psíquica – é o que propõe a Psicanálise.
(*) Psicólogo/Psicanalista, Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ), Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ), Psicólogo clínico em consultório particular, Psicólogo da UFJF-GV, Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).
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