Um cachorro escapando pelo portão. Um vizinho indignado. Uma troca de farpas nas redes sociais. Parece apenas mais um capítulo típico da vida em condomínio — aquele cenário em que convivem plantas mal cuidadas, reclamações sobre barulho e discussões acaloradas nas assembleias. Mas, desta vez, o latido foi mais alto. Foi ouvido fora dos muros. E, sem querer, revelou algo muito maior: a força que um condomínio — e seus moradores — pode ter sobre a vida pública.
A história se passa no Tamboré I, um dos condomínios mais luxuosos e reservados da Grande São Paulo. Localizado em Barueri, ele é conhecido como a “Beverly Hills paulista” por abrigar celebridades do esporte, da música e da televisão. Por ali já passaram ou ainda vivem nomes como Simone Mendes, Simaria, jogadores de futebol, apresentadores de TV e empresários de alto escalão. Casas com arquitetura exuberante, ruas largas cercadas por mata nativa e segurança 24 horas fazem parte do cenário — e também do imaginário coletivo de quem sonha com um “refúgio” urbano.

O cãozinho Jack
Só que esse refúgio tem vida — e conflito. Foi ali que o cãozinho Jack, da raça Border Collie, da cantora Simone, fugiu mais de uma vez, e acabou parando na piscina de uma casa em obra. O vizinho, que também é deputado federal, resolveu criticar publicamente a família da artista. A resposta veio em tom de ironia. A internet se divertiu — e a imprensa investigou.
E eis que o episódio canino revelou um detalhe curioso: mais de R$ 2,2 milhões em emendas parlamentares haviam sido destinados ao recapeamento das ruas internas do condomínio, levantando suspeitas sobre o uso de recursos públicos em benefício de uma área de acesso restrito.
Apesar das justificativas legais, a pergunta permaneceu: por que um bairro de alto padrão, habitado por pessoas com grande poder aquisitivo, recebe esse tipo de verba enquanto tantas regiões públicas enfrentam buracos crônicos?
Mas, mais do que um caso político, esse episódio ilustra algo muito mais próximo de todos nós: como o que acontece dentro de um condomínio pode ter repercussão fora dele.
Moradores como protagonistas
Os condomínios são, cada vez mais, pequenas cidades dentro das cidades. Com suas regras próprias, lideranças internas, grupos organizados e moradores influentes, esses espaços refletem — e muitas vezes antecipam — os desafios da vida urbana. O síndico é peça importante, claro. Mas não é o único protagonista. Os moradores são os verdadeiros motores da transformação.
No caso do Tamboré I, o cãozinho foi só o estopim. Mas a repercussão provou que moradores engajados — têm poder de influenciar decisões, provocar investigações e até mudar prioridades públicas.
Inspiração
Condomínios não são fortalezas isoladas. São microcosmos sociais, onde a convivência pode gerar tanto soluções criativas quanto conflitos com efeitos amplos.
Um mutirão de moradores pode melhorar a coleta seletiva e inspirar o bairro vizinho. Uma ação cultural pode reunir comunidades. Uma denúncia pode abrir caminho para debates importantes sobre o uso do dinheiro público.
Nem tudo que acontece entre muros altos fica entre muros altos. E ainda bem. Porque a vida em condomínio é feita de gente. E onde tem gente, tem potencial de transformação.
No fim das contas, essa história toda — com direito a cachorro fujão, celebridades e asfalto novo — nos lembra que viver em condomínio é viver em comunidade. E comunidades, quando bem organizadas e conscientes, não mudam só o portão da frente — podem mudar a cidade inteira.
Cleuzany Lott é presidente Comissão de Direito Condominial da 43ª Subseção OAB/MG, 3ª Vice-Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB de Minas Gerais, advogada especialista em Direito Condominial e em Administração de Condomínios e Síndico Profissional, síndica profissional, jornalista e CEO do Condominicando.
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