Cleuzany Lott (*)
Um vídeo de sete minutos e sete segundos, registrando a discussão entre uma moradora e um entregador de água sobre o uso do elevador social, resultou em uma denúncia na polícia por injúria por preconceito.
O episódio ocorreu sete meses após a promulgação da Lei nº 7.957/2023, válida apenas na cidade do Rio de Janeiro, visando eliminar qualquer forma de discriminação e facilitar o acesso dinâmico a estabelecimentos privados, abrangendo tanto edifícios residenciais quanto comerciais.
A norma proibiu o uso das denominações “social” e “serviço” nos elevadores de prédios privados, com exceção dos destinados a “carga”.
No incidente amplamente divulgado em todo o país, o entregador valeu-se da lei para entrar no elevador. A moradora considerou a “ousadia” do rapaz negar a existência de um elevador de serviço no prédio. A discussão terminou quando o jovem foi convencido pelo porteiro a usar o elevador “de serviço” para evitar mais confusão.
Sem pretender desconsiderar a possível infração, a abolição das nomenclaturas pode ter gerado uma trapalhada na cabeça da moradora, enquanto o entregador antenado nas mudanças interpretou o conflito como discriminação racial e social.
Pessoas x Circustâncias
As designações “elevador social”, “de serviço” e “de carga” surgiram em diferentes períodos e contextos, representando uma segregação social que, mesmo sutil, persiste.
Seguindo essa categorização, o elevador de serviço seria destinado a trabalhadores e prestadores de serviços, o social a moradores e visitantes, e o de carga ao transporte de grandes volumes ou materiais de construção.
No entanto, na prática cotidiana, essa classificação perdeu sua relevância. Por analogia, o elevador de carga, originalmente associado a peso, passou a ser utilizado para transportar compras, mudanças, lixo e animais, enquanto o elevador social é reservado para passageiros.
O convite à reflexão é: quando se trata do transporte de bens, estamos lidando com pessoas ou circunstâncias? Distinções que deveriam ser consideradas na elaboração de normas.
Peso no orçamento
A alocação dos elevadores para as mesmas funções pode não produzir o efeito desejado pelo legislador. A manutenção segura e legal dos elevadores envolve custos significativos. Uma pesquisa realizada pela Cipa em 2022, que abrangeu cerca de 1.300 condomínios, revelou que, em apenas oito meses, foram gastos mais de R$ 12 bilhões em manutenção, reparo, modernização e conservação de elevadores.
Considerando a personalidade anômala de condomínios com CNPJ, mas que não se enquadram nas condições da lei, tais empreendimentos não prestam serviços nem geram renda. Todas as despesas são rateadas entre os condôminos, tornando expressivo o valor destinado aos elevadores.
Desgaste Natural
Embora os elevadores modernos sejam cada vez mais sofisticados e seguros, estão sujeitos ao desgaste natural. Elementos como a qualidade da energia elétrica e o uso adequado do equipamento influenciam no funcionamento.
Para prolongar a vida útil e evitar desgastes prematuros, os cuidados com elevadores de passageiros e de carga são distintos. Os que transportam lixo, carrinhos de supermercado, eletrodomésticos e mudanças são frequentemente revestidos para proteger o piso, a botoeira e o espelho, além de serem projetados para suportar mais peso.
Fluxo de Tráfego
A destinação dos elevadores também está relacionada ao fluxo de tráfego nos prédios. No caso do Rio de Janeiro, o entregador justificou sua escolha com base na demora do outro elevador, estacionado no andar superior.
Logo, em situações em que os elevadores são simultaneamente utilizados para mudanças e transporte de objetos volumosos, o risco de congestionamento de pessoas na portaria é elevado.
Esse cenário reflete diretamente na máxima “tempo é dinheiro”, uma vez que cada segundo desperdiçado na espera do elevador dentro da própria casa representa uma oportunidade de otimização do tempo.
Em resumo, quando falamos de elevador social, não se trata apenas de privacidade dos residentes, mas sim de praticidade, observância de normas técnicas para o melhor uso do equipamento e considerações sobre circunstâncias, não necessariamente sobre pessoas.
Cleuzany Lott é advogada condominialista, especialista em direito condominial, síndica, jornalista, publicitária, diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM), Diretora Nacional de Comunicação da Associação Nacional da Advocacia Condominial (ANACON ), coautora do livro e-book: “Experiências Práticas Conflitos Condominiais” , apresentadora do quadro Condomínios.etc no programa Condofornecedor.tv e do podcast Condominicando.
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