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Entre mulheres da América

FOTO: Pexels

O risco de não se arriscar é alto. Portanto, mesmo em férias e passeando, sem uma estrutura perfeita e com a rotina desregulada (como as boas férias pedem), dei-me a arriscada tarefa de escolher algumas entre as muitas observações dos meus giros, sempre buscando interseções com nosso dia a dia brasileiro, para registrar neste texto. Não foi tão complicado, porque estava em Santiago, no Chile, onde não falta o que ver, sentir e conhecer. Uma cidade ótima, e não cabe a mim confirmar isso. Órgãos oficiais competentes do país e do mundo trazem números que comprovam. Blogueiros não oficiais, mas igualmente competentes, chilenos ou não, trazem imagens que atestam.

Além do mais, como acontece em todo grande centro do ocidente, é possível caminhar sem se sentir tão distante do seu país, dada a maciça presença de marcas globais nas ruas. McDonald’s, Starbucks, Santander, Subway, Heineken e tantas outras tornam tudo mais familiar e menos surpreendente. Mas há, claro, surpresas. Eu e minha esposa encontramos, em um shopping, uma unidade da rede colombiana Crepes & Waffles, que conhecemos em uma viagem por Bogotá. O que chama atenção não é apenas a variedade do cardápio, o sabor dos produtos e a protuberância dos restaurantes e sorveterias da marca, como vimos na Colômbia, mas sim o fato de o quadro de funcionárias ser composto por mulheres, com olhar especial para mães solo ou vítimas de violência doméstica. Desta vez, em Santiago, tomamos apenas um delicioso sorvete, vendo uma gente que “nos ensina a ter força todos os dias”, como diz o site da empresa (crepesywaffles.com).

Recentemente, a Leila Pereira, presidente do Palmeiras, concedeu uma entrevista coletiva exclusivamente para mulheres. O fato já histórico representa muito para a sociedade, para a imprensa esportiva e para muitos de nós, homens, que tendemos a pensar que os espaços já estão ocupados de forma justa. Não, não estão. E se não tenho o lugar de fala, ocupo humildemente o lugar de admiração. Atitudes como a do Palmeiras e a da Crepes & Waffles contribuem para alertar o mundo sobre o que permanece apartado do que deveria ser o certo. Já que um grande clube de futebol brasileiro e uma grande rede colombiana de restaurantes e sorveterias pretendem ser lucrativos e vencedores, que seja jogando bonito. É isso que essas marcas vêm fazendo.

Quem também jogou o fino enquanto esteve entre nós foi a artista Lotty Rosenfeld, cujo trabalho conhecemos no Museu Nacional de Belas Artes de Santiago. Chilena, guerreira e dona de uma estética engajada e desafiadora, ela foi decisiva na reivindicação do lugar da mulher na arte e nas tomadas de decisões sobre os rumos do país, bem como na denúncia acerca dos descalabros perpetrados pela ditadura no Chile. Os trabalhos dela, ao vivo, são de uma profundidade avassaladora. Relatos de um tempo que persiste, feridas que seguem escancaradas e histórias locais nas quais nos reconhecemos porque somos gente. Se a arte fosse apenas um exercício de desenvolver e destacar subjetividades, Rosenfeld já seria genial. Mas como arte é muito mais que isso, Rosenfeld é essencial.

Estivemos ainda no Centro Cultural Gabriela Mistral (gam.cl), um espaço imenso e lindo que leva o nome desta mulher de história arrojada. Há exposições encantadoras e questionadoras, uma loja onde compramos CDs de Rosario Mena (@rosariomenacanta) e de La Nueva Imperial (@lanuevaimperial) e algumas cadeiras de praia cedidas pelo Mercado Pago para um descanso com internet Wi-Fi de graça. Nada mal. Gabriela Mistral foi educadora, diplomata, feminista e ganhou um Prêmio Nobel de Literatura. Trouxemos um livro dela na mala e esperamos ter chegado com algo desse legado na alma. 

A Santiago, cidade-mulher que conhecemos, encanta e desperta em nós o desejo de tempos de passeios não simplesmente por passear, mas por respeitar histórias, sonhos e destinos, no anseio de termos amanhãs de Américas melhores. “Mexo, remexo na inquisição/ Só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão”. A extraordinária canção “Pagu” (cuja história vale a pena conhecer), composição de Rita Lee e Zélia Duncan, dá o tom da treta. Portanto, sempre que for possível, viajemos! Mas sem nos esquecermos de que o caminho é longo, tortuoso e exige força. E sem as mulheres ainda nem teríamos embarcado.

(*) Jornalista e publicitário.  Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale.
Instagram: @bob.villela | Medium: bob-villela.medium.com

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