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Cajus, limões e outras frutas

FOTO: Reprodução/Youtube

Bob Villela (*)

“Pele macia, ai, carne de caju”. Este é um trecho de Tropicana, uma das músicas que mais gosto de escutar. Um tanto de nome de fruta e outras doçuras em uma cadência deliciosa, na analogia dos detalhes do corpo de uma morena. Alceu Valença eternizou este patrimônio da nossa riquíssima música com sua habitual energia e transformou-a em hino obrigatório de verões inesquecíveis, lindos carnavais e festas memoráveis. Tropicana, ao lado de Frevo Mulher, do Zé Ramalho (“É quando o tempo sacode a cabeleira / A trança toda vermelha…”), estão, seguramente, entre os sons que mais me encantam na nossa música popular brasileira.

Encantou-me também, a propósito, uma descoberta que fiz, não faz muito tempo, a respeito do caju, cuja fruta é a castanha, e não aquela parte suculenta, doce e adstringente (da qual fazemos o suco). Sim, o jacu aqui demorou décadas para ter o esclarecimento acerca deste fato sobre a joia típica do Nordeste. A cana-de-açúcar também, veja você, me pregou uma peça por muito tempo. A danada não é fruta, mas sim uma gramínea especialíssima cujos “frutos” são o etanol, a cachaça, a garapa, a rapadura e muitos, mas muitos outros. A garapa, por sinal, fica simplesmente perfeita misturada com limão — se for o limão capeta, melhor ainda.

Se a acidez do limão em contato com o dulcíssimo caldo da cana produz um equilíbrio mágico, o azedo puro não é algo que agrada a maioria — embora eu até goste. Dia desses, por sinal, um grupo sentiu um gosto muito estranho na boca da rotina e reagiu a uma campanha da L’Occitane au Brésil, uma divisão da marca francesa de produtos de beleza e perfumaria L’Occitane en Provence, mas com um “borogodó brasileiro” (de acordo com o site deles). A proposta da marca é muito legal porque prioriza as riquezas e os aromas da nossa terra, com um design e uma comunicação que acompanham o posicionamento. Tudo estava indo muito bem, até eles produzirem uma campanha estrelada pela Grazi Massafera com uma linha de produtos à base de… caju.

Antes de explicar o que houve, esclareço que, da minha parte, o que mais chamou a atenção foi convidarem uma loira para falar de uma fruta… castanha (não resisti, me perdoem). Mas, enfim, o que apertou mesmo para a marca foi o vídeo da campanha, no qual um caju bem vistoso está situado no galho de um falso cajueiro e, ainda por cima, de forma invertida. Ou seja, com a fruta (a castanha) antes da carne, da polpa adstringente (que não é a fruta!). Diante disso, as redes sociais fizeram o que fazem de melhor: ficaram furiosas. Em que pese o fato de muitos terem se posicionado com argumentos contundentes, inerentes aos seus propósitos, a maioria praticou mesmo o famoso “jogar lenha na fogueira”. Não custa lembrar que publicitários têm uma certa “licença poética” para transmitir suas mensagens com “errinhos” (tipo os músicos). Desde que, claro, isso não configure uma propaganda enganosa.

Fato é que, para descascar o abacaxi e evitar que aquela nódoa tirasse o brilho da marca, a L’Occitane agiu, de certa forma, com rapidez. Escalou o nutricionista e influenciador Rodrigo Góes (aquele do “fake natty!”; o cara é o máximo) para analisar o vídeo do “caju ao contrário”. No conteúdo (disponível em: @rodrigoamgoes), com um texto que se encaixa sob medida ao estilo do cara, ele dá o seu veredito sobre o caju e sobre o cajueiro. Afirma, com sua costumeira eloquência, que ambos são falsos. Mas deixa claro que os produtos da linha Caju da L’Occitane au Brésil, ao contrário, são pra lá de legítimos. A marca tinha um limão azedo para lidar e fez dele uma saborosa limonada.

O caso é representativo do suco de espírito do nosso tempo. Ao se ver em uma situação desconfortável, de repente até constrangedora, o time da L’Occitane au Brésil optou por um caminho muito saudável: rir da situação e tirar proveito dela, ampliando muito o alcance da mensagem. Afinal, errar é do jogo (em muitos sentidos). Horrível seria — ainda mais hoje em dia — fingir que nada aconteceu ou partir para ingredientes ignorantes. Corrigir-se com bom humor e seguir em frente, com sorriso e coragem, é o caminho para sentir o sabor da paz. Porque a comunicação pode e deve ser uma “fruta de vez temporana”, um “caldo de cana caiana”, a desfrutar-nos e a permitir o nosso desfrute. E Alceu Valença, filho especialíssimo da nossa terra adorada, segue sendo todo um pomar de canções e lições sobre como compreender, enxergar e tocar a vida.


(*) Bob Villela
Jornalista e publicitário.
Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale.
Instagram: @bob.villela
Medium: bob-villela.medium.com


As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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