[the_ad id="288653"]

Aqui existiram e existem povos nativos, povos da floresta!

Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola (*)

O efetivo devassamento e implantação dos primeiros núcleos de ocupação da floresta do rio Doce ocorreram lentamente, ao longo do século XIX. Antes disso ocorreram as famosas entradas que todo estudante do ensino fundamental aprende nas aulas iniciais de história do Brasil, no capítulo sobre Entradas e Bandeiras, dos séculos XVI e XVII. Os professores de nossa terra se esquecem de lembrar os alunos de que nossa região é parte dessa história inicial da formação do Brasil, pois a famosa Serra das Esmeraldas, supostamente, ficava entre a bacia hidrográfica do rio Doce e a do Jequitinhonha, na região dos atuais municípios de Itamarandiba, Frei Lagonegro e São Sebastião do Maranhão. Só para lembrar, Fernandes Tourinho, em 1573, comandou uma expedição de 400 homens, que navegou de Porto Seguro, entrou pelo rio São Mateus, desembarcou e subiu um afluente meridional, até a lagoa Juparanã, atingindo as margens do rio Doce. Construiu canoas e subiu o rio Doce até entrar pelo Suaçuí Grande. Depois de vagar por terras desconhecidas, entrou de novo no rio Suaçuí Grande, seguiu rumo norte até o Itamarandiba, encontrou o rio Jequitinhonha, por onde retornou ao oceano. Depois dessa primeira entrada, muitas outras ocorreram, sempre com as expedições formadas por alguns portugueses e muitos índios tupiniquins.

Essas várias entradas em busca das Serras das Esmeraldas acabavam se desviando para objetivos não oficiais, pois o que os seus proponentes queriam mesmo era aprisionar índios Tapuias (que não são Tupis). Por exemplo, Antônio Dias Adorno, que saiu no ano seguinte ao retorno de Fernandes Tourinho com 150 portugueses, 400 índios tupiniquins e dois padres jesuítas, depois que parte da comitiva retornou pelo Jequitinhonha, seguiu para o Norte com o objetivo de caçar índios, de onde regressou a Porto Seguro com 7.000 indígenas reduzidos ao cativeiro. Muitas expedições para o sertão, no fundo, queriam mesmo era capturar índios para serem vendidos como escravos para a lavoura e engenhos. No século XVIII, as entradas nas florestas do rio Doce foram, principalmente, para encontrar pedras preciosas ou novos veios de ouro, sem que tivessem sucesso. Na segunda metade do século XVIII se consolida o interesse de Minas Gerais em garantir o domínio territorial sobre as florestas que ficavam nos sertões do Leste, ou seja, entre as cidades mineiras localizadas na Serra do Espinhaço e o litoral no Espírito Santo. Para garantir a ocupação, o governo implantou presídios militares (praça militar ou fortaleza), que eram bastante rudimentares, para onde eram degredados e encaminhados à força os acusados de crime ou de ser vadios. Assim surgiram algumas localidades, tais como Cuité Velho e Abre Campo.

No século XIX tudo mudou, porque o Governo de Minas decidiu ocupar efetivamente as terras do rio Doce. A primeira investida do governo, a partir de 1808, foi implantar quartéis militares ao longo do rio Doce, dos quais surgiram localidades como Naque, Belo Oriente, Baguari, Governador Valadares, Barra do Cuité, Aimorés etc. 

Na década de 1830, a abertura da estrada ligando Ouro Preto a Vitória deu um grande impulso na ocupação de todo o lado sul do rio Doce. A partir de 1850 começa o trabalho de catequese e civilização dos índios pelos frades capuchinhos, com a criação de vários aldeamentos indígenas sob a administração dos frades, principalmente entre as margens norte do rio Doce até Mucuri, que são as atuais cidades de Frei Inocêncio, Campanário, Frei Gaspar, entre muitos outros. O maior aldeamento criado pelos frades e o mais importante foi o de Itambacuri. No distrito de Figueira (Governador Valadares) funcionou o aldeamento indígena de Imaculada Conceição. Todos esses locais, em que se criaram os presídios, quartéis militares e aldeamentos, transformaram-se nas atuais cidades de nossa região. Em todo o século XIX, os que se dispunham a vir para o rio Doce quase sempre eram os indesejáveis, majoritariamente gente pobre, pardos e negros livres. Depois de 1875, com as fortes secas no Nordeste, começaram a chegar retirantes.

No século XX vieram novas mudanças com o desenvolvimento da economia capitalista no Brasil, construção da Estrada de Ferro Vitória a Minas, exploração do minério de ferro, construção das siderúrgicas e, principalmente, criação da Vale do Rio Doce e abertura da rodovia BR-116 (Rio-Bahia). Assim, nossa região, que ficou durante 400 anos isolada, teve a ocupação definitiva nos 60 anos iniciais do século XX.

Até o final do século XIX, se juntarmos as regiões do rio Doce, São Mateus e Mucuri, temos os últimos redutos de longa extensão de vida silvestre e habitados por povos nativos da costa leste brasileira, ou seja, fora da região Amazônica. Por incrível que pareça, tem muita gente entre nós, sejam adolescentes ou idosos, que não fazem a mínima ideia de que viveram e vivem entre nós povos nativos, tais como os Krenak, Maxakali, Pataxó, Aranã, Mukuriñ, Puri, entre outros. Fora da Amazônia, é uma das maiores concentrações de povos nativos do Brasil.

Qual é a imagem que se construiu sobre esses nativos do rio Doce? Essa pergunta é importante, pois normalmente esquecemos que nossas opiniões têm um fundo oculto, parte do subconsciente coletivo, que expressam narrativas que foram construídas, porém apresentadas como se fossem verdades. Essas supostas verdades são os preconceitos, que precisamos enfrentar e mudar para construir um mundo melhor. Assim, aproveito o convite da Academia Valadarense de Letras, feito por minha amiga professora Antônia Izanira, para nos dois próximos artigos continuarmos esse assunto, já que no dia 19 de abril se comemora o Dia do Índio no Brasil. Espero que tenham interesse em acompanhar. 


(*) Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola
Professor do curso de Direito da Univale
Professor do Mestrado GIT/Univale
Doutor em História pela USP

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

[the_ad_placement id="home-abaixo-da-linha-2"]

LEIA TAMBÉM

Igreja viva

🔊 Clique e ouça a notícia Caros irmãos e irmãs, desejo que a ternura de Deus venha de encontro às suas fragilidades e os apascente de muito amor, saúde e

Se o esporte é vida e educação…

🔊 Clique e ouça a notícia Luiz Alves Lopes (*) Doutos, cultos e muitos que se dizem entendidos das coisas mundanas, enchem e estufam o peito para dizer que “o