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Vale do Rio Doce: a formação do território (Parte I)

Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola (*)

Até o início do século XX, o Vale do Rio Doce conservava praticamente intacta a Mata Atlântica. Nos anos de 1940 e 1950, um conjunto de modificações ligadas ao processo de industrialização do Brasil determinou a rápida ocupação das terras de floresta. A história do Vale do Rio Doce está ligada diretamente à história do Brasil, ao seu processo de industrialização e urbanização. Podemos citar como parte desse processo a Estrada de Ferro Vitória-Minas; a criação da Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale S.A.) e a extração de minério de ferro e sua exportação em larga escala; a construção do parque siderúrgico; e a demanda por produção de alimentos a preços baixos, especialmente de carne bovina. Em trinta anos, entre 1940 e 1970, o cenário natural se modificou radicalmente e a cobertura vegetal original foi reduzida para 5% (cinco por cento) do que havia no começo do século, sendo que na região de Governador Valadares essa porcentagem foi reduzida para 2.5%.

Com efeito, a inauguração, em 1910, da estação da Estrada de Ferro Vitória Minas em Governador Valadares, consolida a posição de entreposto comercial da cidade, catalisa o processo de ocupação da região e confere à cultura do café e à extração da madeira importância econômica cada vez maior. Assim, abriu-se uma nova fronteira agrícola, próxima dos centros de expansão do capitalismo brasileiro. O Vale do Rio Doce atraiu migrantes de quase todas as regiões de Minas Gerais, do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, da Bahia e de outros estados Nordestinos. Também vieram estrangeiros de várias nacionalidades, principalmente italianos, alemães, espanhóis, portugueses e sírio-libaneses, fugindo da crise econômica do pós-Primeira Guerra Mundial.

A presença das grandes siderúrgicas, da mineração, da indústria madeireira, da extração da lenha, a produção de carvão, combinados com a rápida expansão da pecuária extensiva de corte e com a intensa ocupação humana produziram, em trinta anos, a devastação das matas. Entre a inauguração, em 1937, da Companhia Belgo Mineira, em João Monlevade, e a inauguração da Usiminas, em Ipatinga, marcos da história da siderurgia brasileira, o Vale do Rio Doce foi devastado em seus recursos florestais e na sua fauna. Não resta dúvida de que nossa região sintetiza os 500 anos da História do Brasil em 50 anos. Nos anos de 1950, na Era JK, para o Brasil crescer 50 anos em 5 anos foi preciso devorar as riquezas naturais, e as consequências para o Vale do Rio Doce perduram até os dias atuais. O estado de Minas Gerais, o Brasil, as grandes empresas da região, especialmente Belgo Mineira, Acesita e Companhia Vale do Rio Doce, que hoje têm outros nomes e outros donos, são devedores de um enorme passivo ambiental para os municípios e os habitantes do Vale do Rio Doce.

Na primeira metade do século XX, a região revestiu-se, cada vez mais, de atrativos para os grandes projetos de investimentos de capital, para a especulação comercial, bem como para constituição de grandes latifúndios. Na mesma ocasião, vai se tornando lucrativa a exploração de um minério importante para a indústria elétrica e eletrônica dos países desenvolvidos, conhecido popularmente como mica ou malacacheta. A exploração desse minério deu origem a uma importante indústria, cujo centro de beneficiamento localizou-se em Governador Valadares e ensejou a vinda de americanos, que passaram a dominar seu comércio. Região de frentes pioneiras, transforma-se num convite sedutor para os que, em nome do enriquecimento fácil, “faziam da violência recurso inseparável nas disputas pelos espaços econômicos”. Assim, na década de 40, o solo valadarense testemunha o predomínio da extração de madeira, a extração mineral, a multiplicação de fazendas de engorda de gado bovino e o crescimento populacional, cujo apogeu ocorre na década de 1960.

Não podemos esquecer que a rodovia Rio-Bahia (BR-116) atravessou as terras do município de Valadares, entre 1943 e 1944, confirmando a condição de polo regional, ao intensificar a concentração das atividades comerciais e de prestação de serviços. Tal fato implica, também, uma disposição espacial que coloca Valadares no caminho das correntes migratórias originárias do Nordeste e regiões vizinhas. Refletindo o espírito da época de otimismo dos anos de JK, o processo de ocupação do Vale do Rio Doce foi propagado em jornais e revistas de circulação nacional, como “O Cruzeiro”, como o processo de modernização e civilização que estavam acabando com o atraso e a barbárie. Infelizmente, o custo dessa modernização e civilização foi a espoliação das populações indígenas (Nacknanuk, Nackneré, Krenak, Giporok, Malali, Maxacali, Puri, entre outros), a expropriação de terras de posseiros pobres, a devastação da Mata Atlântica e a violência social no campo e nas cidades.


(*) Professor do curso de Direito da Univale; Professor do Mestrado GIT/Univale; Doutor em História pela USP.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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