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Três mitos comuns sobre a Psicanálise

Dr. Lucas Nápoli (*)

Caso você não saiba, caro leitor, além de psicólogo, eu sou um psicanalista. Isso significa que, em minha atuação clínica, pratico um método psicoterapêutico chamado Psicanálise, o qual foi inventado no fim do século XIX por um médico neurologista chamado Sigmund Freud. Esse método consiste basicamente em solicitar que o paciente fale sobre si mesmo e seus problemas da forma mais franca e espontânea que puder. O psicanalista, por sua vez, escuta o discurso do paciente com uma atenção difusa, levando em consideração cada detalhe, por mais irrelevante que possa parecer, e ajuda o paciente a se enxergar a partir do que diz.

Além de um método psicoterapêutico, a Psicanálise também é uma teoria psicológica que se propõe a auxiliar na compreensão do comportamento humano de forma geral. Na verdade, para sermos mais precisos, podemos dizer que a Psicanálise é um campo científico que abriga dezenas de teorias psicológicas diferentes que, embora apresentem traços comuns, possuem ênfases diversas e muitas vezes conflitantes quando comparadas.

Fiz esse pequeno prólogo apenas para situar aqueles leitores que porventura nunca tenham ouvido falar sobre Psicanálise a fim de que eles não se sintam perdidos ao longo do texto. Com efeito, meu objetivo aqui é descrever três dos principais mitos que foram criados ao longo desses mais de 120 anos de existência do campo psicanalítico. Perceba que aqui estou utilizando o termo “mito” no sentido popular do termo, ou seja, para designar uma falsa crença. A noção científica de mito tanto na Antropologia quanto na própria Psicanálise possui uma significação um pouco mais sofisticada. Mas, deixemos de blábláblá e entremos no logo no assunto.

Primeiro mito: para a Psicanálise tudo é sexo. Esse mito é derivado de uma compreensão superficial das ideias de Freud e da falta de conhecimento das ideias de outros autores do campo psicanalítico. Em primeiro lugar, o próprio Freud sempre reconheceu que, além dos impulsos sexuais, existiriam outros impulsos que também exerceriam influência sobre o comportamento humano. No início de seu percurso científico, por exemplo, Freud acreditava que os seres humanos seriam motivados basicamente por dois grupos de impulsos: os sexuais e aqueles ligados à autopreservação (por exemplo, o impulso que nos leva à alimentação). Já mais para o final de sua vida, Freud propôs que, na verdade, os dois principais grupos de impulsos que governariam nosso comportamento seriam os impulsos de vida (categoria que englobaria os impulsos sexuais e os de autopreservação) e os impulsos de morte, responsáveis pelos comportamentos de agressão a si mesmo e ao outro. Portanto, Freud nunca defendeu a tese de que todos os nossos comportamentos são determinados exclusivamente por impulsos sexuais. Ademais, psicanalistas posteriores a Freud sugeriram que a conduta humana receberia a influência de diversos outros fatores como a necessidade de se sentir real, por exemplo, proposta por Donald Winnicott.

Segundo mito: numa terapia psicanalítica, o psicanalista não fala nada. Esse é um mito criado pela indústria cinematográfica norte-americana. De fato, nas películas hollywoodianas, o psicanalista é quase sempre retratado como um sujeito que se dedica unicamente a escutar o paciente e fazer anotações num bloquinho. Para começo de conversa, a imensa maioria dos analistas não faz anotações durante as sessões. O próprio Freud recomendou expressamente que não se fizesse isso sob pena de que o terapeuta acabasse falhando em sua tarefa primordial de escutar atentamente o discurso do paciente. Quanto ao silêncio, trata-se de uma caricatura. É inegável que numa terapia psicanalítica, diferentemente do que acontece em outras formas de tratamento, o foco é posto sobre a fala do paciente e se espera que o analista não queira “roubar a cena”. No entanto, é absolutamente falso dizer que os analistas pouco ou nada dizem a seus pacientes. Qualquer pessoa que já tenha lido relatos de casos em Psicanálise sabe muito bem que, na maioria das vezes, ocorre uma conversa entre psicanalista e paciente. Contudo, trata-se de uma conversa de um tipo diferente, pois o foco do diálogo está nas questões do paciente e o analista não fala qualquer coisa: ele faz intervenções, ou seja, pergunta, pontua, comenta com o objetivo de ajudar o paciente a obter uma melhor compreensão de si mesmo.

O terceiro e último mito é a ideia de que a Psicanálise é uma teoria ultrapassada. Esse mito é resultado direto da falta de conhecimento sobre o campo psicanalítico. Primeiramente, como já mencionei acima, a Psicanálise não é uma única teoria, mas um conjunto composto por diversas teorias que, às vezes, são até antagônicas. A teoria freudiana, por exemplo, advoga a existência da pulsão de morte ao passo que a teoria winnicottiana considera tal conceito problemático. Outro exemplo: enquanto os teóricos da Psicologia do Ego postulam que um dos objetivos principais da terapia analítica é o fortalecimento do ego, os psicanalistas lacanianos defendem o oposto, isto é, que a Psicanálise deveria buscar a desconstrução do ego. Essas divergências teóricas evidenciam que o campo psicanalítico está em permanente transformação, recebendo contribuições novas e reinterpretando conceitos antigos com base nas observações da clínica. Quem diz que a Psicanálise é uma teoria ultrapassada acredita que os analistas atualmente se baseiam exclusivamente nos enunciados teóricos de Freud e outros analistas pioneiros. Trata-se de um equívoco ingênuo que evidencia o desconhecimento da diversidade teórica e da fertilidade conceitual presentes no campo psicanalítico.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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