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Sertão do Rio Doce e o 21 de abril

Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola (*)

As investidas dos governadores mineiros, a partir de Luiz Diogo Lobo da Silva (1763-1768), voltam-se em direção às áreas florestais da bacia do rio Doce. O governador de Minas, Dom Rodrigo de Meneses (1780-1783), em sua “exposição sobre o estado de decadência da capitania de Minas Gerais e meios de remediá-lo”, de 1780, informa que mandou dar continuidade à obra da estrada para o Cuieté, iniciada no governo de Dom Antônio de Noronha (1775-1779). O objetivo era facilitar a descoberta das riquezas daqueles sertões. Para iniciar o povoamento, expediu ordem para todos os municípios de Minas, mandando prender os vadios, pois esses seriam enviados ao sertão do Cuieté. Em sua exposição, comunicou sua intenção de “ir pessoalmente ao Cuieté acompanhado de alguns mineiros hábeis, que para este fim tenho já convidado”. 

Em 1781, o governador saiu de Ouro Preto com sua expedição composta de militares e “mateiros” (sertanistas acostumados a penetrar áreas de floresta, acostumados a lidar com indígenas e experientes garimpeiros). Durante seis meses, explorou toda a área, até onde hoje é Aimorés. No lugar denominado Bananal implantou um estabelecimento agrícola. Os novos “colonos” foram organizados e distribuídos ordenadamente. Sem nenhum descoberto, D. Rodrigo mandou encerrar os trabalhos de exploração. No Cuieté, o nobre governador encontrou a malária, que supunha ser causada pelos “ares pestíferos de certas lagoas, cujas águas pelam os lábios dos animais que as bebem”. Isso estava de acordo com a teoria médica da época, antes das descobertas da microbiologia, que supunha que doenças parasitárias e bacterianas eram causadas pelos miasmas (ares contaminados e fedorentos). No seu governo se desfez a fama de que o Cuieté seria um “Eldorado”. As instalações militares e a “colônia” foram mantidas, para garantir aquelas extensões como território para Minas, para servir de anteparo defensivo contra os índios botocudos e assegurar para Minas direitos futuros sobre os recursos, que o governador listou: fertilidade dos solos, madeiras de lei e metais menos preciosos, como ferro.  

O governo seguinte, de Dom Luís da Cunha Meneses (1883-1888), também sentiu necessidade de encontrar uma saída para a decadência da mineração. Nesse ponto entra nessa nossa história Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), cuja morte, em 1792, é a razão do feriado de 21 abril. Não me refiro aqui ao fato de o irmão Domingos da Silva Xavier ter sido vigário do Cuieté, a partir de 1772. Quero ressaltar um outro fato, que permite desfazer o mito de que Tiradentes era um “zé ninguém” sem cultura e por isso foi o único executado. Em 1874, foi dada uma missão ao sargento-mor (major) Pedro Afonso Galvão de São Marinho e ao alferes (segundo-tenente) Joaquim José da Silva Xavier. Dom Luís mandou examinar os sertões do Leste (Rio Doce e Rio Pomba) com três objetivos: estabelecer pontos para controlar o contrabando, levantar locais para barreiras defensivas contra os botocudos e, principalmente, para conhecer aquelas extensões de terras, pois, na opinião do governo de Minas, não parecia “ser útil aos interesses dessa mesma capitania haver terras inúteis pela falta de se conhecer as utilidades que se poderão tirar das mesmas”.

Tiradentes era encarregado da segurança e repressão ao contrabando e outros crimes, tendo o comando da Ronda do Mato. Mesmo com uma guarnição de apenas 30 homens, foi capaz de desmantelar uma temida quadrilha de assaltantes que infernizava a vida dos viajantes, no trecho da serra da Mantiqueira, na Estrada Real. Ele foi deslocado desse comando em função da sua “notória inteligência mineralógica”, segundo o governador. Na verdade, Tiradentes era um estudioso não apenas da mineralogia, mas de outras ciências naturais. Com seus conhecimentos, contribuiu para alargar o território de Minas Gerais, por meio de seus conhecimentos técnicos e da sua capacidade militar.

Infelizmente, os governos seguintes abandonaram o caminho apresentado proposto por Dom Rodrigo de Meneses. Tiradentes se liga ao movimento conspirador de 1789. Como se sabe, delatados por Silvério dos Reis, com poucas exceções, os envolvidos foram presos: Thomaz Antônio Gonzaga, José de Alvarenga, vigário Carlos de Toledo, Tiradentes e outros. Depois de dois anos de devassa, onze envolvidos foram condenados à pena de morte, porém, somente foi confirmada a de Tiradentes, em 18 de abril de 1891, cuja execução foi em 21 de abril de 1792. A repressão não foi acompanhada de medidas para resolver os problemas que haviam motivado o movimento de inconfidência.

Foi no ano de 1800, por intermédio da Coroa, que os olhares se voltaram novamente para o Sertão do Rio Doce. O ministro Dom Rodrigo de Souza Coutinho arregimentou luso-brasileiros para estudarem e proporem alternativas para Minas Gerais, tais como José Vieira Couto, José Teixeira da Fonseca Vasconcelos, João Manso Pereira, Joaquim Veloso Miranda, José de Sá Betencourt, Manuel Ferreira da Câmara, entre outros. Também consultou as câmaras municipais e o governador. As sugestões dos governos locais foram incorporadas pela Coroa junto com as proposições dos estudiosos, motivando a Carta Régia de 13 de maio de 1808. Isso é outra história.

(*) Professor do Curso de Direito da Univale – Professor do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território – GIT – Doutor em História pela USP

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