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Rotina intencional: torne-se senhor do seu dia

Dr. Lucas Nápoli (*)

Nas últimas décadas a ideia de se ter uma rotina passou a ser vista com maus olhos. Tanto é assim que quando se diz que um relacionamento “entrou na rotina” isso geralmente é interpretado pelos casais como o indicativo de que estão passando por uma fase ruim. Rotina passou a ser vista como sinônimo de aborrecimento e tédio. Nossa atmosfera cultural apresenta uma espécie de incitação à aventura e à imprevisibilidade. Aparentemente, uma vida boa seria aquela na qual estamos sempre vivenciando experiências novas e sendo constantemente surpreendidos.

Qualquer pessoa que já tenha saído da adolescência sabe que isso não passa de um papo furado que cai muito bem em propaganda de cerveja e carro, mas não tem qualquer relação com a vida real da imensa maioria das pessoas. Na existência cotidiana não há espaço para surpresas constantes e novidades a todo momento. Nossa estabilidade psíquica, familiar e profissional exige rotina. De fato, a maior parte das pessoas adultas segue um roteiro básico diário: acordar, ir para o trabalho, almoçar, voltar para o trabalho, ir embora para casa e dormir. O problema é que a maioria dos indivíduos estabelece sua rotina cotidiana de forma quase involuntária, como uma mera consequência mecânica das atividades obrigatórias que deve realizar todos os dias.

Essa modalidade espontânea de rotina é, sem dúvida, benéfica para a saúde mental visto que imprime algum nível de ordem sobre a existência do indivíduo, fazendo com que ele se perceba dotado de um controle mínimo de sua própria vida, não sendo levado de um lado para outro pelos acontecimentos. No entanto, trata-se de um uso muito limitado de todo o potencial que a rotina pode oferecer no que diz respeito ao alcance dos nossos objetivos de vida. Ter um horário fixo para acordar todos os dias certamente ajudará você a não se atrasar para o trabalho, assim como reservar certos momentos do dia para comer o ajudará a manter-se bem alimentado. Mas que tal se você começasse a fixar horários e reservar momentos para outras coisas que você gosta de fazer ou precisa realizar? Vou dar um exemplo:

Muitas pessoas se queixam de que não conseguem ler livros porque suas vidas são muito corridas e elas acabam não tendo tempo para isso. Curiosamente, 9 entre 10 pessoas que costumam fazer tal alegação possuem uma conta em pelo menos uma das principais redes sociais do momento (Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp, YouTube etc.) e gastam vários minutos do seu dia assistindo pequenos vídeos e vendo postagens nos respectivos feeds dessas redes sociais. Ora, para conseguirem fazer isso, tais pessoas precisam de… Isso mesmo: tempo. Se forem contabilizar na ponta do lápis, tais indivíduos constatariam que gastam frequentemente mais de uma hora diariamente consumindo conteúdos que lhes proporcionam entretenimento, mas que não contribuem de forma significativa para seu crescimento pessoal – coisa que a leitura de um livro certamente faria.

Mas, então, por que tais indivíduos simplesmente não param de ficar perdendo tempo nessas redes sociais e passam a se dedicar à leitura? Em primeiro lugar porque ler, na maioria das vezes, não é uma tarefa tão divertida e leve quanto ficar assistindo stories do Instagram. Ler dá trabalho, exige concentração e esforço. Nesse sentido, é natural que a maioria das pessoas, por pura preguiça mesmo, troque a leitura pelo entretenimento das redes sociais. Contudo, existe outra razão que colabora para que o sujeito não seja capaz de dominar sua preguiça: a falta de um tempo reservado para a leitura. É aqui que entra o que eu chamo de rotina intencional.

Quando você não estabelece de forma consciente, voluntária e intencional momentos reservados exclusivamente para se dedicar a determinadas tarefas, acaba entregando de bandeja seu precioso tempo para a dimensão do seu ser que visa exclusivamente a busca de prazer e não está nem aí para o seu desenvolvimento. Assim, se você não se compromete consigo mesmo a reservar o horário de 19h às 20h para a leitura, você irá gastar esse tempo “mexendo no celular” a esmo, sendo levado de uma story a outra, de um vídeo a outro, obedecendo sem perceber aos algoritmos das redes sociais, que são construídos justamente para agradar à dimensão do seu ser que só busca o prazer.

Estou querendo dizer com isso que você não deveria nunca mais assistir aos stories das pessoas que segue no Instagram ou deixar de acompanhar aquela página divertidíssima de memes? Nada disso. Minha proposta é a de que, inclusive para se dedicar a tal entretenimento, você estabeleça um horário específico dentro da sua rotina. Por exemplo, você pode se comprometer a todos os dias depois do almoço ficar vinte (e apenas vinte!) minutos navegando nas redes sociais. Pronto! Dessa forma, você não precisa deixar de fazer algo que lhe proporciona algum nível de prazer (afinal, ninguém é de ferro), mas, ao mesmo tempo, não se torna escravo dessa atividade a ponto de perder horas preciosas do seu dia com ela.

O princípio básico da rotina intencional é tornar-se senhor do próprio cotidiano, definindo e reservando de forma consciente e deliberada horários e momentos exclusivos para certas atividades. Quando não aplicamos a rotina intencional, tornamo-nos escravos das rotinas involuntárias executadas pela dimensão do nosso ser que visa apenas o prazer.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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