A mestranda Joana Ataíde faz recortes do livro “Nas Terras do Rio Sem Dono” para recontar a história de ocupação do Vale do Rio Doce
GOVERNADOR VALADARES – Formada em Letras pela Universidade Federal de Lavras, a professora da Univale, Joana Paula Ataíde, apresentará no fim de março, em Portugal, sua pesquisa sobre o livro “Nas Terras do Rio Sem Dono”, de Carlos Olavo da Cunha Pereira. A apresentação acontecerá no 4º Ciclo Ibero-Americano de Diálogos Contemporâneos.
O livro “Nas Terras do Rio Sem Dono” é um romance que retrata a ocupação do Vale do Rio Doce sob uma nova perspectiva. Apaixonada por literatura, Joana, que é mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Interdisciplinar em Gestão Integrada do Território, acredita que o romance reconta, porém, sob nova perspectiva, com todos os aprimoramentos literários, a conquista das terras da região, revelando histórias de tragédias e conflitos e reconstruindo uma história marcada por injustiças e sangue.
Confira parte da entrevista nesta edição. A entrevista completa você confere em nosso canal no Youtube.
FRED SEIXAS – Qual o objeto da sua pesquisa?
JOANA ATAÍDE – Na verdade, a dissertação em si vai falar dessas territorialidades; a perspectiva dentro da obra “Nas Terras do Rio Sem Dono”, de Carlos Olavo Pereira, e essas territorialidades que vão emergir em toda a narrativa do livro vão poder recontar todo esse processo de formação do território do Vale do Rio Doce. Esse livro, pra mim, foi crucial, decisivo e encaixou perfeito naquilo que eu gosto de fazer, que é estudar literatura.
FRED SEIXAS – Qual a história por trás deste livro?
JOANA ATAÍDE – A história por trás deste livro vai abarcar várias nuances dentro deste processo de formação do Vale do Rio Doce e vai também falar da luta pela terra e o que nós queremos retratar são essas territorialidades, o que compõe essas relações de poder. Também falará dessa relação quando os nordestinos, personagens da trama de Carlos Olavo, saíram de suas terras em busca de melhores condições de vida e ao chegarem por aqui fazem a seguinte pergunta: “esse rio tem dono?” Uma pergunta que contextualiza a ideia central da obra e cria um elo com o título “Nas terras do rio sem dono”, que é intrigante para aqueles que não conhecem a história tanto da obra quanto do processo de formação histórica do Vale do Rio Doce.
FRED SEIXAS – Como se sucedeu esse processo de povoamento do Vale do Rio Doce?
JOANA ATAÍDE – Na verdade, com a chegada dos migrantes ao Vale do Rio Doce é possível mensurar o que a temática do livro abordará, parte do pressuposto da luta pela terra em um cenário que deixa de ser regional para ser ao longo do tempo nacional. A obra de Carlos Olavo “Nas terras do rio sem dono” não apresenta uma cronologia enfatizada na narrativa, entretanto por meio de documentos históricos, pode-se perceber que esse período se trata das décadas de 1950 a 1960.
O autor, então, apresenta narrativas que envolvem a migração, a luta pela terra, que ao longo da narrativa do livro, não será apenas uma luta física, mas que ganha contornos simbólicos, pode-se dizer, simbólico-territorial. É uma luta que perpassa o território físico.
Ao longo do enredo, conhecemos como essa terra foi povoada e por que foi povoada tardiamente? O processo de formação histórica do Vale do Rio Doce narrada na obra apresenta sua inquietude, sua violência, a invisibilidade do povos originários, as injustiças para com aqueles que tinham o direito à ocupação dessas terras, ou seja, os posseiros. A deslegitimação, nos faz pensar novamente no que o título apresenta, essas terras de fato têm dono? Os posseiros legitimados dessa ocupação foram retirados violentamente de suas terras pelos grileiros, que é outro personagem da vida real, bem como da narrativa do livro.
Acho que Carlos Olavo foi brilhante em descrever essa narrativa, contextualizando, mas ao mesmo tempo dando um foco narrativo para sua temática. Sem se referenciar muito, mas, ao mesmo tempo, criando personagens fictícios, mas que com certeza, fazem alusão a muitos outros que aqui estavam.
FRED SEIXAS – Qual a importância da literatura na construção de uma história?
JOANA ATAÍDE – A literatura consegue recontar. Ela possibilita uma nova forma de contar, porque a literatura é um meio, ou talvez, o próprio caminho de dar visibilidade. A literatura, de fato, é esse processo. É a narrativa. A literatura é essa nova vertente de recontar essa história. De recontar o processo de formação do Vale do Rio Doce. Recontar as narrativas dessa terra, que era tida sem donos e que aos poucos a gente foi vendo que tem alguns embates que questionam essa questão do ser dono ou não. Só que aqui, por meio da Literatura, podemos mostrar uma outra história.
FRED SEIXAS – Essa pesquisa foi apresentada em algum congresso?
JOANA ATAÍDE – Apresentei no Congresso Internacional de Culturas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Costumo dizer que levamos o Vale do Rio Doce. Acredito que quando esse livro começa a ecoar em todos esses espaços, “Nas Terras do Rio Sem Dono” começa a ter uma ideia diferente. Como se eu pudesse repensar, ou recriar a própria história que já foi contada várias vezes. Só que aqui a gente está querendo mostrar uma outra história.
FRED SEIXAS – A sua pesquisa também será apresentada em outro País?
JOANA ATAÍDE – Sim, será no Fórum do Ciclo Ibero-Americano, que acontecerá em Porto, em Portugal, nos dias 26, 27 e 28 de março. Falaremos da luta pela terra com uma perspectiva voltada para a memória, porque não há memória sem a luta, ou seja, é uma dicotomia tanto de pontos sinestésicos como também de relação entre as pessoas daquela época e suas histórias, não deixa de ser um ponto relevante que o livro aborda. E o livro vai reportar isso. Porque se hoje estamos levando a obra, discutindo esses assuntos aqui é porque essa memória é tão forte que nos permite discutir essas temáticas que vão além da luta pela terra.