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Procrastinação: quando começar dá medo

Dr. Lucas Nápoli (*)

Procrastinação é uma dessas palavras que durante muitas décadas só circulava nos meios acadêmicos, mas que atualmente, em meio à cultura do alto desempenho em que vivemos, está na boca do povo. Outro termo que pertence a essa categoria é a já batida “resiliência”. Existem muitas definições de procrastinação. A que mais me agrada, por ser curta e objetiva, é a seguinte: procrastinação é o adiamento não estratégico de ações. Sim porque existem adiamentos que são feitos visando determinados objetivos ou por força de certas condições. O adiamento das eleições municipais deste ano, por exemplo, foi deliberado para se evitar aglomerações de pessoas num momento (outubro) em que se supõe que as medidas de distanciamento social por conta da pandemia de Covid-19 ainda seriam necessárias. Não se pode dizer, portanto, que os parlamentares brasileiros estão procrastinando a realização das eleições.

Procrastinar significa enrolar, sem justa causa, a execução de determinadas atividades. A pessoa que sofre com a procrastinação é aquela que simplesmente não consegue por a mão na massa apesar de saber que precisa fazer isso. Ela vive repetindo para si mesma: “Daqui a pouco eu começo.”, “Amanhã eu faço” ou “Semana que vem eu resolvo isso.”. O problema é que as horas, os dias e as semanas passam e nada do indivíduo começar a fazer o que precisa. Isso leva o procrastinador a experimentar níveis elevados de ansiedade, principalmente quando as tarefas que estão sendo procrastinadas têm prazos para serem concluídas. É a presença desse sofrimento o que diferencia a procrastinação propriamente dita da boa e velha preguiça.

Todo preguiçoso é procrastinador, mas nem todo procrastinador é preguiçoso. De fato, a grande maioria das pessoas que costuma enrolar para fazer suas atividades está apenas “querendo evitar a fadiga”, como dizia o célebre carteiro Jaiminho do seriado “Chaves”. Em outras palavras, a maioria de nós procrastina quando não quer fazer o esforço que determinadas atividades exigem. O nome disso é preguiça mesmo. No entanto, em certos casos, a pessoa deseja conscientemente fazer a tarefa e está disposta a gastar tempo e energia com ela, mas, por alguma razão aparentemente desconhecida, fica reiteradamente adiando o início do trabalho. Aqui estamos no terreno da procrastinação propriamente dita.

Existem diversas razões pelas quais a procrastinação pode acontecer. Algumas delas são mais superficiais e outras mais profundas. As motivações que pertencem a essa segunda categoria são aquelas relacionadas a fatores inconscientes que só poderão vir à luz ao longo de um tratamento psicanalítico. Por exemplo, um sujeito pode sofrer frequentemente com a procrastinação em seu trabalho porque, em função de conexões simbólicas estabelecidas em seu Inconsciente, a atividade na qual trabalha evoca certos conflitos infantis com os quais ele ainda se debate internamente. Nesse caso, a procrastinação tende a se manter enquanto tais conflitos são forem trabalhados no contexto psicoterapêutico.

Por outro lado, existem razões para a procrastinação que estão situadas em uma dimensão mais superficial da alma e, portanto, podem ser acessadas e trabalhadas desde que se faça um pequeno esforço de reflexão. Por exemplo, um dos principais motivos pelos quais algumas pessoas procrastinam a execução de uma determinada atividade é o medo de não dar conta da complexidade da tarefa. Muitos acadêmicos procrastinam por conta desse motivo. Pense, por exemplo, no enorme desafio que é a escrita de uma dissertação de mestrado. Caso o leitor não saiba, tal documento é basicamente um relatório minucioso de um estudo aprofundado que o estudante precisa realizar sobre um determinado tema. Estruturada em capítulos, uma dissertação geralmente possui entre 150 e 200 páginas! Trata-se, portanto, de uma tarefa com alto nível de complexidade. Assim, não raro muitos alunos de mestrado ficam repetidamente adiando a escrita de suas dissertações porque mais ou menos conscientemente se imaginam incapazes de vencer tamanho desafio. Perceba que, nesse caso, a procrastinação nada mais é que uma estratégia inconsciente de fuga. Para não se sentir ameaçado pela complexidade da tarefa, o sujeito adia indefinidamente sua execução.

O que fazer? É possível vencer a procrastinação quando o motivo para a enrolação é esse medo? Sim, é possível. Se você está passando por isso, o primeiro passo é reconhecer que está com medo, ou seja, abandone todas as tentativas de racionalizar o problema. Confesse para si mesmo que você teme não estar à altura da tarefa. O segundo passo é reduzir esse medo se lembrando de situações do passado em que você esteve diante de tarefas com grau de complexidade semelhante e que conseguiu realizá-las (com ou sem procrastinação). Esse exercício de rememoração lhe dará fôlego para o terceiro e último passo: transforme o grande desafio que está à sua frente em vários desafios menores. Por exemplo, se a tarefa que você está procrastinando é a escrita de um relatório, divida essa atividade em partes menores: hoje você escreverá duas páginas, amanhã mais duas e assim por diante. Dessa forma, você não mais verá seu relatório como um monte Everest impossível de escalar, mas como uma série de pequenos morros que você não terá grandes dificuldades para galgar.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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