[the_ad id="288653"]

Por que é tão difícil emagrecer?

Dr. Lucas Nápoli (*)

Você está satisfeito com seu peso? Gostaria de ser um pouco (ou muito) mais magro? Muitas pessoas se queixam de que não conseguem perder peso apesar de nutrirem um intenso desejo de emagrecer. No fundo, todo o mundo sabe que a fórmula infalível para conquistar uma silhueta mais magra é simples: ingerir menos e gastar mais calorias. O problema é que a maioria das pessoas que estão acima do peso ideal tem dificuldade para comer menos. Muitas até conseguem praticar atividades físicas diariamente, mas resistem a aderir a uma dieta mais saudável e menos calórica. É essa circunstância humana demasiado humana que provoca o advento das chamadas “dietas da moda” que, justamente por não funcionarem, são substituídas de tempos em tempos.

A razão pela qual toda dieta da moda está fadada a desaparecer para dar lugar a outra “mais moderna e, agora sim, infalível” é que as pessoas que elaboram tais prescrições alimentares ignoram um fato óbvio: o de que, para a espécie humana, o alimento não é apenas um meio de sobrevivência. Nós não nos alimentamos apenas para saciar a fome e obter os nutrientes necessários para sobrevivermos com saúde. Na verdade, não seria exagero dizer que a mera nutrição é, talvez, a função menos relevante que cumprimos no ato de comer. E isso vale não só para quem se alimenta mal, mas também para quem segue obedientemente uma dieta saudável.

Muitas pessoas, por exemplo, só conseguem se alimentar bem do ponto de vista nutricional porque inconscientemente gozam com a ideia de estarem aderindo a um estilo de vida saudável. Sem perceberem, tais pessoas podem estar sendo vítimas de uma exigência superegoica segundo a qual elas deveriam ser pessoas saudáveis e equilibradas. Isso explicaria o sofrimento que muitos desses indivíduos experimentam quando se veem “forçados” a ingerir alimentos “não saudáveis” ao irem, por exemplo, a uma festa de casamento ou aniversário. Percebe? Muita gente pode estar mantendo uma alimentação saudável não porque finalmente se conscientizaram da verdadeira função dos alimentos, mas simplesmente porque obtêm uma satisfação inconsciente com a representação da alimentação saudável.

Outro exemplo: há pessoas que jamais conseguiriam manter uma dieta pouco calórica se as redes sociais não existissem. Com efeito, o fator que as motiva diariamente a obedecerem à dieta saudável é o feedback que recebem no Instagram ou no Facebook quando postam o que estão comendo ou quando falam sobre seu estilo de vida saudável. Se não fosse por essa recompensa narcísica, muitas dessas pessoas se entregariam ao prazer proporcionado pelos alimentos calóricos e pouco saudáveis. Portanto, tais indivíduos se alimentam muito mais da imagem que eles acreditam estarem projetando para outras pessoas do que propriamente dos alimentos que escolhem todos os dias para postar em seus stories.

A gente não se alimenta só para se nutrir. A comida e o ato de comer são simbólicos – aliás, como tudo o que pertence ao mundo humano. Nesse sentido, para compreendermos os motivos pelos quais temos dificuldade para comer de forma mais saudável, precisamos, em primeiro lugar, identificar quais são as representações simbólicas que a comida e o comer possuem em nossas vidas. Em outras palavras, antes de aderir bovinamente à mais nova dieta da moda, pergunte-se: qual é o significado que a comida e o comer possuem em minha existência? Talvez você não consiga responder adequadamente a essa pergunta sem o auxílio de um psicanalista, pois muitas dessas significações são inconscientes. Contudo, vale a pena fazer sozinho essa indagação: o que a comida representa para mim?

Para muitas pessoas, por exemplo, a comida funciona como uma ilha de prazer em um oceano de mal-estar, tédio e sofrimento. Eu nunca conheci alguém que se alimenta mal, ingerindo majoritariamente alimentos ricos em açúcar e gordura, que estivesse usufruindo de uma vida satisfatória. O que eu mais vejo são pessoas infelizes no trabalho, no casamento ou nos estudos buscando na comida uma compensação pelo elevado grau de sofrimento que experimentam na vida de forma geral. Ora, um indivíduo que se encontra nessa situação, ainda que deseje ardentemente emagrecer, jamais terá força suficiente para aderir a uma dieta saudável. Ele pode até comer bem durante uma semana, num surto de motivação artificial, mas logo os problemas que já estavam presentes antes da dieta voltarão a sufocá-lo e, dentro de poucos dias, bye bye dieta.

O que fazer, então, Lucas? Eu sei que você pode estar se perguntando isso. E sei também que você já pescou a resposta: ora, se a comida significa para mim uma forma de compensação pelo sofrimento que experimento em minha vida de forma geral, a única saída para deixar de me alimentar mal é mudar o significado da comida. Se minha vida passar a ser satisfatória, deixarei de representar a comida como uma ilha de prazer num oceano de sofrimento. Não deixarei de comer por prazer, mas encontrarei prazer também em outras dimensões da existência: nos relacionamentos, na família, no trabalho, em algum hobby etc. Em outras palavras: passar a comer de forma saudável não depende apenas de “força de vontade” ou “foco”. Depende fundamentalmente da ressignificação da comida e do ato de comer, processo que, por sua vez, pode demandar uma reavaliação e transformação existencial significativa.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogoclínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

[the_ad_placement id="home-abaixo-da-linha-2"]

LEIA TAMBÉM

Conhecendo mais sobre as femtechs

🔊 Clique e ouça a notícia Igor Torrente (*) Por muito tempo, pesquisas e inovações tecnológicas ignoraram as diferenças de gênero, resultando em soluções que não se ajustavam completamente às

Recheio de infância

🔊 Clique e ouça a notícia por ULISSES VASCONCELLOS (*) Casa da avó. Início dos anos 90. Férias de janeiro. Calorzão. Um tanto de primos crianças e pré-adolescentes cheios de

Um olhar para os desiguais

🔊 Clique e ouça a notícia Luiz Alves Lopes (*) Salvo entendimentos outros próprios dos dias atuais, vivemos em um país civilizado em que vigora o Estado Democrático de Direito

Alegria de viver

🔊 Clique e ouça a notícia por Coronel Celton Godinho (*) Vivemos em um mundo emaranhado de conflitos entre nações, entre indivíduos. Já há algum tempo, venho observando as relações