Ninguém nos prepara para o que o luto exige: atravessar o invisível. A sociedade nos ensina a viver, a conquistar, a performar felicidade, mas pouco nos fala sobre perder. E quando a perda chega de alguém, de um amor, de uma fase da vida, ela cobra uma escuta que quase ninguém sabe oferecer. O luto, antes de tudo, é um processo. Mas também é uma travessia: íntima, solitária e profundamente humana.
A psicóloga Elisabeth Kübler-Ross, pioneira nos estudos sobre a morte e o morrer, descreveu o luto como um ciclo que envolve cinco estágios: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Mas a própria Kübler-Ross alertava: essas fases não são lineares. O luto é uma montanha-russa emocional, em um momento parece que conseguimos respirar de novo, e no seguinte somos puxados de volta ao fundo do abismo. O coração se contradiz, oscilando entre a calma aparente e a dor que insiste em voltar.
Stephen Levine, autor de Unattended Sorrow, escreveu: “Luto não é um processo de esquecer. É um processo de tornar a perda suportável.” Essa é uma das verdades mais difíceis de aceitar: a dor não desaparece. Ela muda de forma. Vai se encaixando em nós de maneira menos aguda, mas permanece como um vestígio daquilo que importava e ainda importa.
A cultura ocidental, especialmente, tem pouca tolerância à vulnerabilidade. Vivemos sob a pressão de “superar” rapidamente. “Você precisa ser forte”, dizem. Mas ninguém pergunta como está o seu sono, se você está comendo, se tem conseguido respirar sem sufocar por dentro. E é aí que a dor silencia e onde mora o perigo.
O luto não vivido se transforma. Se esconde no corpo, se traduz em adoecimento emocional, se mascara em irritabilidade, em isolamento, em crises de ansiedade. Ignorar o luto é como tentar sair de um incêndio respirando a fumaça. O corpo sente. A mente cobra.
A psicóloga brasileira Maria Helena Franco, lembra que o luto é também um processo de reorganização psíquica: “É preciso construir um novo mundo interno que comporte a ausência e reintegre a presença do outro de uma nova maneira.” Viver o luto é reinventar os vínculos, é entender que algumas presenças continuam mesmo na ausência física.
Na clínica, vemos como o luto pode se tornar um território de crescimento, se houver espaço para sentir. Luto não é só sobre quem se foi, é também sobre quem nos tornamos sem essa pessoa. É sobre o recomeço, mesmo quando ele parece impossível. É sobre integrar a ausência como parte da nossa biografia, e não como uma falha a ser corrigida.
Permitir-se viver o luto é, paradoxalmente, um ato de vida. É dar nome ao que dói, tempo ao que grita em silêncio. É construir sentido quando tudo parece ter perdido o sentido. E isso exige coragem, mas também cuidado, escuta e suporte.
Se você está enlutado, saiba: não existe tempo certo para “melhorar”. Existe o seu tempo. Existe o seu jeito. E existe a possibilidade de ser cuidado, mesmo dentro da dor.
(*) Psicóloga, pós graduanda em neuropsicologia pela Unifesp | CRP 04/62350
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