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O que são os mecanismos de defesa?

É curioso notar como certas expressões que nasceram no campo psicanalítico acabaram sendo adotadas pelo senso comum e são utilizadas por muitas pessoas que jamais ouviram falar sobre Psicanálise. Esse é o caso dos termos “recalque”, “narcisismo”, “inconsciente” e… mecanismos de defesa. Volta e meia a gente ouve alguém dizer que “Fulano está fazendo isso como um mecanismo de defesa” ou “Essa sua atitude é só um mecanismo de defesa”, dentre outras expressões semelhantes.

Neste artigo quero explicar, sobretudo para você que não tem muita familiaridade com a Psicanálise, o que são esses tais mecanismos de defesa. Como de costume, utilizarei uma retórica simples e clara sem ficar recorrendo a termos técnicos e argumentações rebuscadas.

Vamos começar refletindo sobre o termo “mecanismo”. Ele envolve a ideia de um processo que acontece automaticamente, não é verdade? Algo que não precisa da nossa decisão para acontecer. Pense, por exemplo, nos mecanismos presentes num relógio. Eles estão lá, em pleno funcionamento, sem que precisemos acioná-los a todo momento. Desde que a bateria esteja carregada, os mecanismos permanecerão ativos automaticamente, certo?

Conosco acontece algo semelhante. Nós temos diversos mecanismos fisiológicos, por exemplo, que controlam o movimento dos nossos intestinos, as batidas do coração, a respiração, dentre vários outros processos. Mas a gente também possui mecanismos psicológicos, ou seja, processos que acontecem na nossa mente e que, assim como os mecanismos corporais, também operam de modo totalmente automático, independentemente do nosso controle voluntário.

Dentre esses diversos mecanismos psicológicos, nós temos os mecanismos de defesa. Quem os descobriu foi o médico neurologista Sigmund Freud (1856-1939), criador da Psicanálise. Com base em sua experiência clínica de atendimento a pacientes com problemas emocionais, Freud pôde constatar que a nossa mente funciona de modo análogo ao aparelho digestivo. A função desse aparelho corporal é processar os alimentos que ingerimos a fim de que possamos assimilar os elementos alimentícios que nos são úteis e descartar aqueles dos quais não precisamos. Portanto, o aparelho digestivo funciona com base na seguinte lógica: entrada de elementos à processamento à assimilação e excreção.

Freud descobriu que a mente trabalha de forma semelhante. Ela recebe as experiências que a gente tem na vida, processa essas experiências, assimila aqueles pensamentos que considera úteis e tenta descartar o excedente. Os mecanismos de defesa se fazem presentes justamente na etapa de processamento. Na hora de definir quais ideias serão absorvidas e quais serão rejeitadas, a mente adota os parâmetros que foram nela instalados pelas pessoas significativas com as quais o sujeito conviveu e que exerceram a função de autoridade na vida dele (por exemplo: pai, mãe, professores, avós etc.).

Com base nos critérios que essas pessoas “injetaram” na nossa mente, a gente seleciona com que pensamentos vamos ficar e que pensamentos vamos “excretar”. O problema é que, diferentemente do que acontece com o funcionamento do aparelho digestivo, nós não podemos “defecar” experiências, ideias, pensamentos. Por mais que queiramos expurgá-los da nossa alma, eles continuarão presentes lá, como visitantes indesejados. É aí que entram os mecanismos de defesa: eles existem justamente para que possamos continuar vivendo sem nos incomodarmos com essas “fezes psíquicas”.

Como não podemos “evacuar” ideias, precisamos fazer alguma coisa com aquelas que não queremos assimilar a fim de evitarmos a ansiedade que elas causam em nós. Sim, ansiedade. Quando pensamos algo do tipo “Como seria bom se meu avô morresse”, a nossa mente, que trabalha com parâmetros como “É errado desejar a morte de familiares”, não quer assimilar aquele pensamento. Como ele não pode ser simplesmente eliminado, a permanência dele começa a ser tomada pela mente como perigosa. É daí que vem a ansiedade.

Para darmos um jeito nos pensamentos que queremos descartar e não nos sentirmos ansiosos, fazemos uso dos mecanismos de defesa. Ao empregá-los, a gente se autoengana: fingimos para nós mesmos que aqueles pensamentos não existem e passamos a viver como se, de fato, eles nunca tivessem aparecido. Por isso, eles são chamados de mecanismos de DEFESA: com efeito, por meio deles, conseguimos nos defender dos pensamentos incômodos que nos causam ansiedade.

O principal mecanismo de defesa é o recalque (ou repressão). Esse mecanismo consiste em expulsar o pensamento descartável do nosso campo de consciência. Ele continua a existir, só que agora numa outra “região” da alma chamada Inconsciente. De fato, ele continua a nos perturbar, só que agora, pelo menos, não temos que lidar conscientemente com sua presença.


Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular; Psicólogo da UFJF-GV; Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor dos livros “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013), “O que um Psicanalista Faz?” (Ebook, 2020) e “Psicanálise em Humanês: 16 Conceitos Psicanalíticos Cruciais Explicados de Maneira Fácil, Clara e Didática” (Ebook, 2020).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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