[the_ad id="288653"]

O que chamar em caso de violência no condomínio: 190 ou 180?

FOTO: Freepik
Cleuzany Lott (*)

Traduzido em números, 17 milhões de mulheres foram vítimas de violência doméstica em apenas um ano. Ou seja, uma entre quatro mulheres foi agredida.

A ofensa verbal está no topo da perversidade. Cerca de 13 milhões foram xingadas, humilhadas ou insultadas; 4,3 milhões levaram  tapa,  empurrão ou chutes. Quando se trata de ofensa sexual ou tentativa forçada de manter relação sexual,  3,7 milhões foram vítimas; 2,1 milhões foram ameaçadas com faca ou arma de fogo; outras 1,6 sofreram espancamento ou tentativas de estrangulamento. 

Os dados são da pesquisa “Visível e Invisível”, desenvolvida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O levantamento é de 2021, tomando como referência mulheres com idade a partir dos 16 anos.

O trabalho foi apresentado no 1º Encontro Nacional de Combate a Violência Doméstica e Familiar em Condomínios, idealizado e organizado pelo Instituto Educacional  Encontros da Cidade. O evento aconteceu em novembro do ano passado, na Câmara de Vereadores de São Paulo. Síndicos de vários estados brasileiros participaram.

Repercussão 

Os olhares das autoridades se voltaram para a violência cometida em condomínios no dia 16 de fevereiro de 2019. A paisagista Elaine Caparroz, na época com 55 nos, escapou da morte graças a interferência do segurança do prédio e dos vizinhos.

Era por volta das 4h30 da manhã quando, ao fazer a ronda, o segurança Jucilei de Sousa Andrade, 46 anos, ouviu gritos ecoando de um apartamento do 16º andar. Ao tocar a campainha de uma das unidades, uma voz masculina respondeu que ele poderia arrombar, mas veria o que iria acontecer com ele. O segurança chamou a polícia. Os vizinhos, que momentos antes ouviram barulhos de briga, também acionaram o 190.

Elaine tinha sido brutalmente espancada pelo lutador de artes marciais Vinícius Batista Serra, naquela época com 27 anos. Era o primeiro encontro de um relacionado virtual, iniciado há oito meses.

O  caso que repercutiu internacionalmente ocorreu no residencial Torre Charles de Gaulle, situado na Avenida das Américas, uma das principais vias da Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro.

Indiferença

Mas antes, em 22 de julho de 2018, o Brasil acompanhou pela mídia outra crueldade também ocorrida em ambiente condominial. Dessa vez em Guarapuava, a 255 quilômetros de Curitiba (PR).

As câmeras de segurança registraram o professor universitário e biólogo Luís Felipe Manvailer agredindo a esposa, a advogada Tatiane Spitzner, então com 29 anos. Ela começou a apanhar na garagem do edifício, seguindo para o elevador. Foram 15 minutos de surra até ela sumir das imagens.

Nesse caso não houve interferência de ninguém. Nem vizinhos, nem síndico, nem funcionários. Os cinco anos de relacionamento do casal  terminaram com a esposa sendo arremessada pelo marido do quarto andar do prédio. O laudo do IML constatou que as fraturas decorrentes da queda não tiveram relação com o óbito. Tatiane morreu por estrangulamento.

Silêncio

O precursor da lei que obriga os síndicos ou administradoras de condomínios residenciais e comerciais a denunciarem casos de violência doméstica contra mulheres, idosos, crianças e adolescentes é o deputado estadual Professor Kenny Pires Mendes (PP).

A lei paulista entrou em vigor em novembro de 2021. A partir de então, legislações semelhantes se multiplicam pelo país. Dessa forma, o objetivo é  dar um basta no silêncio de uma comunidade que tem condições de perceber os sinais da agressão e evitar mais tragédias.

Se, a exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro, alguém tivesse visto ou ouvido o pedido de socorro de Tatiane Spitzner e acionado as autoridades, talvez ela não faria parte da estatística de vítimas de 2018.

Naquele  ano, 12.873 mulheres foram agredidas por dia; 536 por hora. A informação foi publicada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em fevereiro de 2019.

A pesquisa elaborada pelo Instituto Datafolha revelou que a taxa de conhecidos entre os agressores cresceu de 61% para 76%, significando que a violência é mais intensa dentro de casa.

Condomínio

A possibilidade de combater e banir esse crime tende a ser mais fácil para quem mora ou trabalha em condomínios devido a  proximidade entre os imóveis e o controle de acesso nesse modelo de moradia e estabelecimento comercial.

As agressões raramente são silenciosas. Elas são habituais e deixam marcas. Seja nas palavras, nos gestos ou nas ações, elas se tornam visíveis para quem se importa com o próximo.

Ao desconfiar que uma vizinha está sofrendo violência, ligue para 180. As autoridades estão preparadas para receber as informações e verificá-las, sem comprometer o denunciante.

Porém se a agressão estiver acontecendo, peça socorro através do 190. Este número deve ser usado para os casos de atendimento imediato.

Lei Federal

No caso de síndicos e administradoras, a denúncia é obrigatória em muitos municípios e estados. Onde ainda não existem leis de enfrentamento à violência doméstica e familiar a obrigação deverá chegar em breve através de Lei Federal. 

O PL 2510/20, de iniciativa do senador Luiz Carlos do Carmo (MDB/GO), já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados,  modifica o Estatuto dos Condomínios, o Código Civil e o Código Penal. Ele obriga moradores e síndicos a denunciar às autoridades os casos ocorridos nas dependências dos habitacionais, seja nos apartamentos ou nas áreas comuns. 

O projeto incluiu crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. Portanto ao tomarem conhecimento dos atos de violência, os condôminos, locatários ou donos do imóvel deverão relatar os fatos ao síndico.

O gestor terá o prazo de até 48 horas para fazer a denúncia, seja através do 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou pelos canais eletrônicos ou telefônicos adotados pelos órgãos de segurança pública.

Penalidade

O descumprimento por parte do síndico acarretará em advertência. Porém se a negligência ocorrer pela segunda vez, o gestor poderá ser destituído automaticamente do cargo.

A indiferença do condômino, locatário ou dono do imóvel às vítimas poderá resultar em multa, cujo valor será até cinco vezes maior do que a cota condominial.

Nas duas situações, se o síndico não agir, o condomínio poderá ter que desembolsar de cinco a dez salários mínimos de multa. Ou vinte salários, se insistir no erro.

O dinheiro arrecadado será destinado aos programas de erradicação da violência doméstica e familiar.

A questão é, diante dessas possibilidades, seja pela solidariedade ou pela penalidade, ao presenciar ou saber de alguma violência dentro do condomínio, você vai ligar para 190 ou 180?


Cleuzany Lott é advogada,  especialista em direito condominial, síndica empreendedora, jornalista, publicitária e diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

[the_ad_placement id="home-abaixo-da-linha-2"]

LEIA TAMBÉM

A crise moral na pós-modernidade

🔊 Clique e ouça a notícia Vivemos em uma era marcada por profundas transformações culturais e sociais, onde a crise moral tem se sobressaído de maneira sutil, mas impactante. Em

Aprendendo mais sobre hackathons

🔊 Clique e ouça a notícia Se você está por fora do que é um hackathon, não se preocupe, porque hoje é o dia de entender como esse evento pode

‘I have a dream’

🔊 Clique e ouça a notícia Não importa se parodiando Martin Luther King ou o grupo ABBA. “Eu tenho um sonho”, de magnitude ímpar, se coaduna com caminhadas terrenas de