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Insegurança crônica: você sofre com isso?

por Dr. Lucas Nápoli (*)

Você se considera uma pessoa insegura? Muitas pessoas atualmente têm chegado aos consultórios de Psicologia e Psicanálise queixando-se de uma falta crônica de autoconfiança. São pessoas que sofrem em seus relacionamentos, na vida acadêmica, no âmbito profissional e em outras áreas da vida porque não conseguem se sentir suficientemente seguras para fazer o que precisam, para demonstrar o que sabem ou mesmo para abandonar uma relação amorosa insatisfatória.

Indivíduos que fazem parte desse grupo se sentem constantemente ameaçados, imaginando que a qualquer momento podem ser alvos de humilhações, demissões, reprovações etc. Essas são as pessoas inseguras. Nelas, o medo é o afeto que fala mais alto. Falta-lhes aquela sensação básica de que serão capazes de enfrentar as consequências de suas escolhas, independentemente de quais sejam. Pelo contrário: o inseguro experimenta a vida como se fosse absolutamente frágil e impotente frente as adversidades. E o pior é que nem mesmo tendo um histórico de superação de vários problemas, a insegurança acaba: ela parece ser imune aos fatos. Em outras palavras, a pessoa permanece insegura mesmo que a realidade lhe diga que é efetivamente capaz de dar conta dos problemas.

O fato de a insegurança ser uma experiência que não se curva às lições da realidade, isso mostra que se trata de um problema cujas raízes estão nas profundezas da alma, ou seja, naquelas regiões do mundo interno que foram as primeiras a serem habitadas e que se mantêm isoladas e impermeáveis à influência do cotidiano. Quando nos submetemos a uma terapia psicanalítica, somos convidados a embarcar numa viagem rumo a esses territórios primitivos da alma a fim de modificá-los. E é lá que encontraremos as razões pelas quais a insegurança crônica consegue se sustentar na vida de uma pessoa independentemente de suas conquistas e superações.

Nas profundezas da alma estão aquelas tendências, padrões e características que se depositaram em nós como efeitos colaterais de nossas primeiras experiências de relacionamento com outras pessoas. Dito de outro modo, nas regiões anímicas primitivas encontraremos os resquícios de nossa infância. Nesse sentido, a insegurança crônica é uma experiência cujas raízes precisam ser buscadas nos primeiros anos de vida. São as vivências primevas no relacionamento com os cuidados primários (papai e mamãe) que produzirão nos territórios profundos da alma uma base de segurança ou de insegurança.

O bebê humano, diferentemente de outros animais, não nasce com a capacidade de sobreviver sozinho. Mais do que isso: o filhote de Homo sapiens demora mais do que as crias de todas as demais espécies de mamíferos para ser capaz de viver sem estar na dependência dos pais. Isso acontece porque nós não nascemos equipados com todas as habilidades que precisamos possuir para viver de forma suficientemente independente na sociedade humana. Dessa forma, precisamos ficar à mercê do cuidado dos pais durante muitos anos de nossas vidas.

Uma das tarefas principais dos cuidadores primários nos primeiros anos de vida de uma criança é oferecer um ambiente estável, seguro e previsível para que ela possa crescer e se desenvolver sem ter que se preocupar com perigos e ameaças externas. Os pais, portanto, precisam criar uma espécie de bolha imaginária ao redor do bebê que permita a ele simplesmente viver, sem medos e frustrações em excesso. Se os pais conseguirem realizar essa tarefa de forma satisfatória (e a maioria deles consegue), irá se construir nas profundezas da alma da criança uma base sólida de segurança. Nesse caso, o indivíduo desenvolverá uma crença básica de que pode “trafegar” com segurança pelo mundo e que a realidade não é perigosa e ameaçadora.

Por outro lado, se a indivíduo não pôde contar com essa bolha imaginária de proteção no início da vida, ele ficará exposto a circunstâncias, problemas e vivências com as quais só teria recursos para lidar numa idade mais avançada. Essa experiência precoce com o que a gente poderia chamar de “o mundo real” fará com que a criança vivencie prematuramente sensações de medo, incapacidade e impotência… Assim, nas regiões mais profundas da alma do indivíduo irá se enraizar um sentimento visceral de insegurança. Ao invés de se perceber como potente, criativa e capaz, tal pessoa irá desenvolver uma imagem inconsciente de si como alguém frágil, dependente e inábil.

Na medida em que as bases de segurança ou insegurança se constituem na infância e se depositam no fundo da alma, não é possível vencer a insegurança crônica apenas aprendendo novas maneiras de pensar e de se comportar. Tal estratégia pode até maquiar o problema, mas não o resolve. Se a questão é profunda, é investigando-a e tratando-a em profundidade que se obterá alguma melhora real. É preciso viajar para as profundezas da alma, arrancar as raízes da insegurança e substituí-las pela base afetiva segura. É esse o objetivo de uma terapia psicanalítica nesses casos. A relação intensa e profunda que se estabelece entre o analista e o paciente, marcada pela confiabilidade, será capaz de produzir essa base afetiva segura a ser depositada no interior do indivíduo.

(*) Psicólogo/Psicanalista, Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ), Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ), Psicólogoclínico em consultório particular,  Psicólogo da UFJF-GV, Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem, necessariamente, a opinião do jornal.

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