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Inclusão do Vale do Rio Doce na Sudene: o que isso representa para Valadares?

Victor do Vale Dell’orto (*)

Na última quinta-feira, dia 27/05/2021, o Senado Federal aprovou a inclusão de outros 78 municípios mineiros na área de abrangência da SUDENE. A notícia, que ganhou repercussão imediata no ambiente político de Governador Valadares, traz à tona um sonho antigo, que agora só depende da sanção presidencial para tornar-se realidade.

— SUDENE? O que você tem a ver com isso?

Vamos lá!

SUDENE é a sigla para a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Instituída pela Lei no 3.692, de 15 de dezembro de 1959, parte do princípio de que o desenvolvimento das regiões de um país de dimensões continentais, como é o Brasil, ocorre de maneira desigual. Portanto, fazia-se necessário promover e coordenar esforços para o desenvolvimento das regiões com concentração industrial reduzida e/ou vulneráveis socialmente.

Eram os tempos do presidente Juscelino Kubitscheck, quando este país ainda almejava desenvolver a sua indústria, contra aquele passado colonial que ainda se faz vivo.

Um parêntese: já se perguntou durante a pandemia o porquê de ser tamanha a nossa dependência de itens de cunho hospitalar (desde luvas, remédios, até vacinas) produzidos no exterior? Isso tem a ver com essa tal de industrialização. Ou melhor: com a falta dela.

Naquela época, a Sudene, enquanto autarquia, ficou subordinada diretamente à Presidência da República, e sua primeira secretaria-executiva coube ao economista Celso Furtado, que permanece até 1964.

Entretanto, com o início do período da ditadura militar, nesse mesmo ano, a Sudene foi incorporada ao novo Ministério do Interior, tendo sua autonomia e recursos enfraquecidos e deturpados. O golpe final na instituição culminou em seu fechamento, que ocorreu durante o governo FHC, quando veio à tona o esquema de corrupção que favorecia de forma ilícita as empresas de parlamentares e de outros ligados ao governo.

No fim das contas, a Sudene acabou sendo rebaixada a uma agência de desenvolvimento, a ADENE, com status de agência executiva. O governo da época prometeu que a medida daria mais transparência nas ações do órgão. O fato é que somente em 2003, em seu primeiro mandato, Lula enviaria ao Congresso o projeto de lei, de autoria do Pode Executivo, que promoveu o debate necessário para a recriação e ampliação da antiga SUDENE. Esse projeto foi aprovado pelo Congresso, e sancionado no dia 28/11/2006.

— Entendi a importância das regiões de meu país serem industrializadas. Mas, o que Governador Valadares tem a ver com a região Nordeste?

Bom, se você conhece a nossa vizinha Ipatinga, que há muito se beneficia de uma grande indústria como a Usiminas, consegue entender porque este assunto está sendo debatido aqui, e não lá. Não é mesmo?

Governador Valadares e os outros 77 municípios mineiros, que podem ser inclusos na área de abrangência da SUDENE, possuem índices socioeconômicos e problemas de desenvolvimento que os tornam mais parecidos, em determinados aspectos, com o Jequitinhonha ou com o interior da Bahia, do que com o nosso irmão Vale do Aço. 

Desde a criação da autarquia, sua área de abrangência compreende os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e parte Norte e Nordeste de Minas Gerais. Naquela época, Governador Valadares ainda desfrutava do extrativismo, que logo se esgotou e deu lugar à estagnação econômica que nos persegue desde então.

Sabemos que nem a implantação de um bairro “distrito” de indústrias leves e médias, no final de década de 1970, foi capaz de alterar substantivamente o quadro que hoje justifica a inserção do município no espaço que pode ser “compreendido como Nordeste”, merecendo também, portanto, ação governamental especializada.

— O que podemos esperar e quais são os benefícios?

Os benefícios aos municípios incluídos na área de atuação da SUDENE são muitos, dentre eles se destacam os incentivos e benefícios fiscais para a atuação de empresas e para o desenvolvimento de projetos no território.

Alguns desses benefícios são a redução de 75% no IRPJ, por 10 anos, para atuação de novas empresas, possibilidade de reinvestimento de até 30% do IRPJ em projetos para geração de empregos, redução no ICMS da região, acesso ao Banco do Nordeste com linhas de financiamentos específicos, com empréstimos facilitados a juros baixos e acesso ao Fundo Constitucional do Nordeste – que, só neste ano de 2021, tem um orçamento aprovado de mais de 1,4 bilhão só para ser aplicado no estado de Minas Gerais. No total, o FCN tem R$ 22 bilhões para todos os estados da área da SUDENE. O valor reservado para Minas representa hoje apenas 6,6% desse montante.

Mas, é claro, o próximo passo é a ampliação desse crédito. Portanto, é importante continuarmos pressionando nossos deputados para disputarem esses recursos na elaboração do próximo orçamento, a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2022, que será votada ainda neste ano.

Além desses importantes benefícios, destaca-se ainda a possibilidade de ação integrada com instituições federais sediadas na área de atuação da SUDENE, como, por exemplo, universidades e demais órgãos do governo, com tratamento preferencial às atividades produtivas de pequenos e miniprodutores rurais e pequenas e microempresas, às de uso intensivo de matérias-primas e mão de obra locais e as que produzam alimentos básicos para consumo da população, entendidos como os componentes da cesta básica, bem como aos projetos de irrigação, quando pertencentes aos citados produtores, suas associações e cooperativas, investimento em projetos que visam à preservação do meio ambiente, a disponibilização de conjugação do crédito com a assistência técnica, no caso de setores tecnologicamente carentes, e a concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores das instituições privadas, entre vários outros projetos possíveis.

Todos estes e outros benefícios podem ser comprovados diretamente na fonte de pesquisa, que é o site da SUDENE: www.gov.br/sudene.

— Muito bem! E de quem é esse importante projeto?      

Bom, parte da história de criação deste importante órgão já foi relatada no início deste texto, mas é importante descrevermos como chegamos à aprovação desse projeto no plenário do Senado.

A tramitação iniciou-se ainda em 2003, quando o recém-eleito deputado federal Leonardo Monteiro (PT/MG) entra com o projeto de lei PL 467/2003 que propunha alterar o art. 2º da MP nº 2.156-5 de 24 de agosto de 2001, incluindo os municípios do Vale do Rio Doce, no Estado de Minas Gerais, na área de atuação da ainda ADENE.

Este projeto tramitou nas comissões por longos anos, sendo arquivado e desarquivado várias vezes, e perdeu a validade após a recriação da SUDENE, no final de 2006.

Em 2007, o então deputado federal José Fernando Aparecido de Oliveira (PV/MG) entrou com o projeto de lei PLP 76/2007, propondo a inclusão de 43 municípios mineiros na recém-recriada SUDENE.

Esse projeto tramitou também por longos anos, tendo sido igualmente arquivado e desarquivado várias vezes nas comissões da Câmara. Foi então que, em 2015, o deputado federal Leonardo Monteiro (PT/MG), entrou com novo projeto, o PLP 119/2015, incluindo a co-autoria dos deputados Leonardo Quintão (PMDB/MG), Mauro Lopes (PMDB/MG) e Brunny Gomes (PL/MG). Este novo projeto previa incluir toda a região Leste de Minas, incluindo os municípios dos Vales do Rio Doce, Suaçuí, Mucuri, São Mateus e região das Vertentes, totalizando 78 municípios mineiros.

Junto a esse movimento de apresentação de novo projeto, o deputado Leonardo Monteiro pediu o desarquivamento do antigo projeto PLP 76/2007, para que pudesse juntar as propostas contidas nos dois textos, haja vista que tinham o mesmo objetivo.

A partir daí, iniciaram-se grandes mobilizações de lideranças políticas de nossa região em prol da aprovação desse projeto. Foi um grande movimento de prefeitos e prefeitas da nossa região, vereadores, empresários da cidade e sociedade civil organizada, indo a Brasília e apoiando a iniciativa. Porém, o projeto contava com uma grande resistência da bancado do Nordeste, que temia a disputa de recursos com Minas Gerais. A matéria tramitou nas comissões, mas parecia não ter força para ir a votação no plenário da Casa.

Foi então que, no ano de 2017, esse movimento político se intensificou, na liderança do deputado Leonardo Monteiro, num movimento suprapartidário, envolvendo toda a bancada mineira de deputados. Outro fator positivo foi a oportunidade que tínhamos com um deputado mineiro ocupando a vice-presidência da Câmara: com o deputado federal Fabinho Ramalho (PMDB/MG), conseguiu-se um grande acordo. E, num dia em que Fabinho assumiu a condução dos trabalhos na presidência da Casa, o projeto foi colocado em pauta de votação no plenário, tendo sido escolhido como o relator do projeto de plenário o deputado Federal Eros Biondini, uma vez que, segundo o regimento interno da Câmara, os autores do projeto não podem também ser relatores. Enfim, esse movimento suprapartidário foi fundamental para a aprovação do projeto na Câmara. Em seguida, a matéria foi encaminhada para a próxima fase, no Senado Federal.

Vitória parcial

No Senado, o projeto encontrou ainda mais resistência da bancada do Nordeste. As eleições de 2018 já se aproximavam, e os senadores nordestinos não queriam “vacilar”. Aécio Neves (PSDB/MG), então senador, foi o primeiro relator desse projeto no Senado, mas não conseguiu encaminhar com êxito o projeto naquela casa.

O sonho da implantação da SUDENE no Leste de Minas parecia ser distante, mas o mais difícil já tinha passado. O projeto estava com meio caminho andado, não dava para desistir.

As eleições de 2018 passaram, e as mobilizações em defesa do projeto continuaram, tendo atuação importante de prefeitos de nossa região, das associações de municípios ASSOLESTE e ARDOCE, cujos presidentes na época eram o prefeito de Itabirinha, Dego Reis, e o prefeito de Governador Valadares, André Merlo, respectivamente. Eles mobilizaram suas cidades, vários empresários da região foram até Brasília para buscar diálogo com os senadores visando à aprovação do projeto. A Associação Comercial e Empresarial de Governador Valadares, representada pelo seu então presidente, Jackson Lemos, chegou até a contratar uma consultoria especializada para acompanhar essa tramitação no Senado Federal. A partir daí que entram também a participação dos recém-eleitos deputados federais por Valadares, Euclydes Pettersen (PSC/MG) e Hercílio Diniz (MDB/MG), que ajudaram nessa mobilização, junto do reeleito deputado Leonardo Monteiro (PT/MG), cada um mobilizando seus partidos e os senadores a que tinham acesso, e também fazendo o debate na sociedade.

As eleições de 2018 também trouxeram a eleição de dois novos senadores mineiros, Rodrigo Pacheco (DEM/MG) e Carlos Viana (PSD/MG), que, junto do já então senador Antonio Anastasia (PSDB/MG), contribuíram muito com a aprovação desse projeto.

Mas foi só neste ano de 2021, após a eleição de Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado, que a esperança reascendeu de verdade. Afinal, agora tínhamos um mineiro no comando da Casa.

Após grande mobilização por parte de todos os deputados e demais atores já citados anteriormente, em agendas com o novo presidente do Senado, e buscando apoio de outros senadores, no dia 27/05, Pacheco retirou o projeto das comissões, e em regime de urgência colocou para votação no plenário da Casa, tendo sido seu relator o senador Carlos Viana. Assim, o projeto finalmente havia sido aprovado, por 57 votos a favor e apenas 9 contrários. Neste momento, só aguardamos a sanção do presidente da República, para que esse sonho antigo se torne realidade.

Este projeto vem reparar uma justiça histórica para nossa região. Pois nós, moradores da bacia do Rio Doce, sofremos com a desigualdade social. A maioria dos municípios da região tem um baixíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Também sofremos com a guerra fiscal, uma vez que estamos localizados entre os municípios do Nordeste, que já estão na área da SUDENE, e entre o estado do Espírito Santo. Perdemos muitas empresas e oportunidades ao longo dos últimos anos, além de termos sido impactados com um dos maiores crimes ambientais da história do Brasil, o crime do rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Samarco/VALE, em 2015, que trouxe enormes prejuízos para toda nossa bacia do Rio Doce, sentidos até hoje. Não fossem os dólares enviados por milhares de conterrâneos que atualmente vivem nos Estados Unidos, e a diversificação da economia de Valadares após a instalação dos campi da Universidade Federal, Instituto Federal e UAB, e outras instituições privadas de ensino, possivelmente nós estaríamos em situação ainda pior.

Espero que possamos deixar as vaidades políticas de lado, para que todos possamos elevar a nossa região a um novo tempo de desenvolvimento, gerar mais empregos e oportunidades, desenvolver bons projetos e assim podermos viver novos tempos de prosperidade.


(*) Victor do Vale Dell’orto é técnico em gestão empresarial e administração de empresas, engenheiro civil, especialista em gestão de políticas públicas e especialista em pavimentação e manutenção de rodovias. É presidente municipal do PT)

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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