
Você já ouviu falar de imunidade psicológica? Provavelmente, não, mas, certamente, conhece o termo “imunidade”, aplicado ao campo da medicina, certo? Há alguns anos, essa palavra passou a fazer parte do senso comum. Tanto é assim que, eventualmente, dizemos que contraímos determinada doença, porque nossa imunidade estava baixa. Portanto, a ideia de que a capacidade do nosso organismo de se defender de agentes infecciosos pode variar, em função de diversos fatores, já é bastante conhecida. Por outro lado, não costumamos aplicar o mesmo raciocínio quando tratamos de nossa saúde psicológica.
A capacidade da nossa alma de não sucumbir ao adoecimento também varia. É disso que se trata quando falamos em imunidade psicológica. A imunidade física é um dos fatores que explica por que somente alguns indivíduos adoecem, quando um grupo inteiro de pessoas foi exposto a um determinado vírus ou bactéria. Da mesma forma, a ideia de imunidade psicológica nos ajuda a entender, por que certas pessoas atravessam períodos muito difíceis de suas vidas sem adoecerem, emocionalmente, e outras enfrentam situações muito semelhantes ou idênticas, mas acabam desenvolvendo alguma enfermidade psíquica.
O sujeito que apresenta imunidade psicológica – em grau elevado – possui recursos subjetivos que o habilitam a não permitir, que eventos internos e externos, desestruturem sua consistência emocional. A perda de um familiar muito querido, por exemplo, é um desses acontecimentos, que têm um potencial desestruturante sobre o psiquismo. Ao passarem por um evento como esse, pessoas que estão com a imunidade psicológica baixa, podem acabar desenvolvendo um transtorno de ansiedade ou um episódio depressivo.
Assim como a enfermidade física, o adoecimento psíquico é o último, e mais precário recurso, que o indivíduo encontra, para lidar com um ambiente que se apresenta desfavorável. Indivíduos com baixo grau de imunidade psicológica recorrem ao adoecimento, porque o seu sistema imunológico psíquico encontra-se empobrecido, sem recursos suficientes, para fazer frente ao sofrimento desencadeado pelas situações difíceis da vida.
Isso não significa que indivíduos que apresentam imunidade psicológica alta não sofram. Sim, eles experimentam dor, desprazer, frustrações. A diferença é que tais vivências afetivas não evoluem, para um processo de adoecimento, pois tais pessoas possuem um repertório subjetivo consistente, por meio do qual, conseguem elaborar as experiências de sofrimento e atravessá-las sem recorrer à doença.
É possível desenvolver imunidade psicológica? Sim, da mesma forma que podemos melhorar nossa imunidade física, se praticarmos hábitos saudáveis, como uma alimentação adequada, do ponto de vista nutricional, uma boa noite de sono, atividade física etc. Tais práticas contribuem, gradativamente, para o fortalecimento do sistema imunológico. Quem as realiza, com constância, raramente adoece, apesar de ser exposto todos os dias a vários agentes infecciosos.
Então, quais são os hábitos que devemos praticar para aumentar a imunidade psicológica? Pretendo voltar a esse tema em outro momento, para descrever, com mais detalhes, algumas práticas que contribuem para isso.
Por ora, quero dizer que nossa imunidade psicológica se fortalece à medida que desenvolvemos recursos para lidar com as experiências da dor, da falta e da frustração. Em outras palavras, o desenvolvimento da imunidade psicológica está diretamente atrelado à prática intencional de hábitos, que nos estimulem a desenvolver recursos para lidar com o sofrimento. Tais hábitos podem ser de natureza comportamental – como tomar banho frio, independentemente da temperatura externa; limpar/organizar o próprio quarto ou mesmo a própria casa; praticar atividades físicas, que levem à vivência moderada da dor, dentre vários outros.
Como também de caráter mental: fazer psicoterapia, por exemplo, é uma excelente maneira de desenvolver imunidade psicológica, pois, inevitavelmente, você precisará se expor a conteúdos internos muito dolorosos, e será convocado a elaborá-los.
Outro hábito mental, recomendado por alguns sábios da Antiguidade, é pensar na morte, ou seja, refletir de forma consciente, intencional e profunda sobre a finitude. Tal prática, frequentemente, leva a uma atitude de relativização dos problemas cotidianos, de modo que o sujeito passa a se sentir menos vulnerável ao impacto emocional que eles podem gerar.
Num mundo que se apresenta a cada dia mais acelerado, mutável e competitivo, a imunidade psicológica torna-se ainda mais relevante. Estamos sendo, o tempo todo, assaltados por informações, notificações, notícias e demandas, em níveis jamais vistos na história. Nesse sentido, é fundamental possuirmos recursos que nos habilitem a fazer frente a esse cenário, um tanto caótico, sem que se torne necessário sucumbir à doença.
(*) Psicólogo/Psicanalista, Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ), Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ), Psicólogo clínico em consultório particular, Psicólogo da UFJF-GV, Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).
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