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Histórias do Rio Doce – III

Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola

A primeira entrada no Rio Doce foi motivada pela busca da Serra das Esmeraldas. Tudo começou com as conversas de um tal Felipe Guillén, espanhol morador de Porto Seguro, em 1550. Segundo o castelhano, suas informações foram colhidas de índios recém-chegados do interior. Nas suas conversas com tais índios ficou sabendo que no interior existia uma serra a que chamavam Itaberabuçu, que significa “pedra que resplandece muito”, cintilando pontos verdes. Dessa história nasceu o mito da Serra das Esmeraldas, que supostamente ficava entre as bacias dos rios Doce e Jequitinhonha, onde hoje é o município de Itamarandiba.

Essas conversas perduraram no tempo, no mito que se criou e funcionou como motivação presente durante quatro séculos, levando, a cada geração, aventureiros ao Sertão do Rio Doce. Todo mito exagera e nisso tem sua força: tal serra despejava nos rios pedras amarelas, em tal quantidade, que os índios as usavam para fazer gamelas em que davam de comer aos porcos.

O primeiro livro a mencionar o assunto foi escrito por Pêro de Magalhães Gandavo, historiador e cronista português, publicado em Lisboa, no ano de 1576 (História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil). O seu Tratado da Terra do Brasil, escrito na mesma época, é muito mais completo, porém publicado somente em 1826, provavelmente porque não teve autorização real. Nesse texto, ele conta que em Porto Seguro índios deram notícia de que muitas léguas terra a dentro existia uma serra “formosa e resplandecente”. O padre jesuíta Jácome Monteiro, na obra Relação da Província do Brasil, publicado em 1610, referiu-se ao rio Doce como caminho que conduziria às esmeraldas dos Mares Verdes, “tão nomeado e nunca de todo descoberto”.

Tomé de Souza, primeiro governador-geral nomeado pela Coroa Portuguesa, cargo que exerceu de 1549 a 1553, determinou o descobrimento dessa montanha, que outros já pensavam em ir procurar por conta própria. A primeira entrada, no entanto, somente iria acontecer em 1554, comandada por Francisco Bruza de Espinosa, castelhano que já tinha sido contratado para tal missão. Com treze brancos e vários índios Tupiniquim, que seguiu pelo Rio das Caravelas e esteve nas cercanias de Diamantina. O resultado foi nulo quanto às riquezas, mas ele deu notícias sobre a existência, conforme informações colhidas dos índios do sertão, de minas de ouro e prata. O padre jesuíta João de Azpilcueta Navarro, basco de origem, foi encarregado de acompanhar a expedição de Espinosa, representando a Igreja. Esse conhecedor da língua Tupi descreveu o ambiente do sertão como lugar hostil, “intratáveis a pés portugueses”.

Mem de Sá, o terceiro governador-geral, de 1558 a 1572, determinou a entrada de Martins Carvalho. Em 1567, a expedição partiu com cerca de 50 companheiros e muitos índios Tupiniquim, vagando por oito meses, por caminhos onde mais tarde se encontraram as pedras verdes, supostamente esmeraldas, numa serra situada na confluência das bacias dos rios Doce, Mucuri e São Mateus (Cricaré), por onde retornou até o mar. O governo geral seguinte, no comando de Luís de Brito e Almeida (1572-1577), empreendeu diversas entradas pelo sertão. Em 1573, Sebastião Fernandes Tourinho, sobrinho do governador donatário de Porto Seguro, comandou uma expedição de 400 homens, a maioria índios Tupiniquim, que partiu em barca, entrou pelo São Mateus, subiu afluente meridional, seguindo por terra até a lagoa Juparanã, subiu o rio Doce, até o rio Suaçuí, inclinou para nordeste, para os lados de Itamarandiba, voltando em seguida, até encontrar de novo o Rio Suaçuí, seguiu até encontrar o Rio Jequitinhonha, por onde desceu até o mar. Como resultado, encontrou pedras coradas nas serras interiores, mas nada das esmeraldas e do ouro.

O governador Luís de Brito e Almeida, após o relato de Fernandes Tourinho, determinou a realização de outra entrada. Em 1574, Antônio Dias Adorno, com 150 portugueses, 400 índios e dois padres jesuítas, entrou pelos sertões e achou sinais de Tourinho e amostra de minerais preciosos. Parte da comitiva retornou pelo Jequitinhonha, com canoas; Adorno, com o objetivo de caçar índios, seguiu para o norte, de onde regressou com 7.000 selvagens reduzidos a cativeiro. Gabriel Soares de Sousa, em seu “Tratado descritivo do Brasil”, publicado em 1587, menciona diversas entradas de exploração do sertão do Rio São Francisco. O autor comandou sua própria entrada, na busca da serra Itaberabuçu, que com os anos se chamaria Sabarabuçu. Nesse governo geral se encerrou o ciclo baiano das entradas e fechou-se, por longo tempo, a via de acesso ao sertão das esmeraldas e do ouro. Entretanto, não se abandonou a meta de encontrar as riquezas da Serra Resplandecente, apenas se mudou o ponto de partida de Porto Seguro para o Espírito Santo, ganhando ainda mais destaque o Rio Doce, como caminho que conduziria às esmeraldas dos Mares Verdes.

(*) Professor do Curso de Direito da Univale
Professor do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território – GIT
Doutor em História pela USP

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