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Histórias do Rio Doce – II

por Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola (*)

O rio Doce despertou a atenção dos portugueses desde o primeiro século da colonização do Brasil. O motivo desse interesse foi o mito de que havia muitas riquezas nas terras banhadas pelo rio. Três lugares fantásticos: Vapabuçu do ouro, Sabarabuçu da prata e a Serra das Esmeraldas. Essa última é mais conhecida, porque na escola, quando se estuda o tema “entradas e bandeiras”, principalmente a de Fernão Dias, é dessa serra e suas pedras verdes que se fala. Entretanto, aqui tem que ser ressaltada a enorme diferença com os outros povos europeus que se aventuraram pela América, inclusive os espanhóis.

Podemos identificar a crença nesses lugares de suposta riqueza, como o mito do Eldorado, muito forte nos séculos XVI e XVII. Para os outros povos europeus, os mitos do Eldorado estavam associados às crenças religiosas e aventuras espirituais. Para os portugueses, nunca houve espiritualidade, era simplesmente uma esperança de achar riqueza fácil.

De todos os mitos, o Eldorado (terra sem mal, terra de delícias e de prodigiosas riquezas, paraíso na terra, fonte da eterna juventude) foi recorrente e motivador das aventuras de espanhóis e outros europeus, muitos com esforços sobre-humanos, como Ponce de León e sua suposta descoberta da fonte da eterna juventude. Essas fantasias comuns nos dois primeiros séculos da colonização das Américas tiveram pouca ou nenhuma presença entre os portugueses. Lugares como Vapabuçu e Paraupava foram entendidos pelos portugueses como lagoa dourada, o eldorado que Gabriel Soares (1540-1591) saíra a procurar. Em 1584, esse senhor de engenho de muitas riquezas e vereador na Câmara de Salvador, começou os preparativos e às suas custas organizou uma expedição de 360 portugueses e quatro frades. Em 1591, Gabriel Soares partiu em busca das supostas riquezas, mas deu tudo errado e ele próprio terminou morto.

A ideia de um eldorado para os portugueses se restringia a um lugar de muitas riquezas, onde se chegaria entrando pelo rio Doce. Os portugueses não precisavam das crenças fantásticas para se aventurar por lugares completamente desconhecidos; a esperança de encontrar ouro e pedras preciosas era suficiente. Tudo começou com as histórias contadas pelos tupiniquins, de que no interior havia uma “serra resplandecente”, havia tanto ouro que se fabricavam as gamelas com ele. Literalmente, histórias para motivar os portugueses a entrar pelo interior, em território dos inimigos dos tupiniquins.

O rio Doce era o caminho que levaria ao Vapabuçu do ouro, Sabarabuçu da prata e a Serra das Esmeraldas. As corredeiras e cachoeiras perigosas, a floresta densa sem fim, os índios Aimorés, os mosquitos infernais, as febres e toda sorte de perigos ajudavam a reforçar o mito, pois se o ouro, a prata e as pedras não eram encontrados, também não se podia dizer, com certeza, que não existiam. Entretanto, a crença de que havia uma riqueza encoberta pela floresta e todos os perigos que a cercavam não chegou a evoluir para os elementos espirituais tão comuns à tradição ocidental sobre florestas e seus mistérios encantados. Os portugueses e, depois deles, os brasileiros, nunca manifestaram uma imaginação fértil como espanhóis, franceses, ingleses e holandeses. Eles reduziram tudo a uma equação simples: há riquezas escondidas que precisam ser encontradas; o mesmo espírito que move os garimpeiros de hoje, quando devastam a floresta na Amazônia em busca do ouro.

As expedições que partiram de Porto Seguro ou do Espírito Santo eram formadas por poucos portugueses e um grande número de tupiniquins. Elas entraram pelo interior, vasculhavam áreas extensas e retornavam sem nada encontrar. Nessas expedições sempre ocorriam conflitos com os índios do interior. Não podemos esquecer que os tupis conquistaram o litoral, expulsando os povos que viviam ali antes deles. Quando os portugueses chegaram, os tupiniquins se aliaram a eles, principalmente pelo trabalho realizado pelos jesuítas.

Essas expedições não promoviam o povoamento do interior, pois não tinham qualquer objetivo de colonizar. Diferentemente do que fizeram em São Paulo, os jesuítas ficaram presos ao litoral. No Espírito Santo os jesuítas tinham três grandes fazendas, todas no litoral. Um grande número das atuais cidades do litoral, que vai do Espírito Santo a Salvador, tais como Anchieta, Nova Almeida e Nova Viçosa, nasceram de aldeamentos tupiniquins, em razão do trabalho de catequização dos jesuítas. Na verdade, a colonização portuguesa ficou restrita ao território dos tupiniquins, e, como eles, os portugueses também evitaram o rio Doce. Esse rio foi usado somente como via de penetração, para chegar às supostas riquezas que suas matas e serras escondiam.

Será que essa origem influencia ainda hoje? Será que aí está nossa dificuldade em promover o desenvolvimento do Vale do Rio Doce, por meio do trabalho criador de riquezas? Será que ainda temos o espírito do garimpeiro e daí vem a índole aventureira, inclusive para as aventuras migratórias, na esperança de conseguir riqueza nos EUA?

(*) Professor do Curso de Direito da Univale
Professor do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território – GIT
Doutor em História pela USP

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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