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História do Rio Doce – VIII

Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola

Continuo a história do rio Doce, do tempo que ele era visto como a possível saída de Minas Gerais para o mar, na primeira metade do século XIX. No relatório apresentado pelo governo à Assembleia Legislativa no ano de 1832, entre os diversos assuntos, são mencionados os problemas de saúde pública, afirmando que os únicos inconvenientes da Província eram a existência de casos de elefantíase e a presença da sezão (malária) nas margens de alguns rios, particularmente do rio Doce. Porém, esse mal iria desaparecer, na opinião do governo, assim que as margens dos rios fossem povoadas.

Entretanto, a esperança de aproveitar os rios para chegar ao mar dava lugar à ideia de construir estradas de rodagem. Nesse tópico, o governo destaca a importância da construção de pontes, pois essas seriam “a alma de uma província central como a de Minas”. Mas havia um problema, já que a quota do orçamento repassada por lei aos municípios era insuficiente e pouco adiantaria se juntar “às mesquinhas rendas municipais”.

O problema era o pouco desenvolvimento da agricultura e do comércio da Província de Minas Gerais, sendo a irregularidade das chuvas um agravante, num quadro em que se tinha que enfrentar a escassez de alimentos. O governo informava que o mais grave era a falta de mão de obra escrava, e para enfrentar essa dificuldade a saída urgente seria “obrigar ao trabalho grande número de vadios que divagam pelas grandes e pequenas povoações”. Nesse sentido, alerta para a necessidade de os governos municipais ficarem atentos “para que os artífices e jornaleiros não o sejam só em nomes”. O termo jornaleiro se refere ao trabalhador diarista ou àquele que trabalha de empregado em troca de um salário. Interessante nesse relatório é perceber a preocupação do governo com a devastação generalizada das matas, pois delas dependiam as fábricas de ferro (siderúrgicas), localizadas em várias povoações, tais como Antônio Dias e Itabira. Nesse sentido, pedia providência dos governos municipais para preservar as matas próximas às povoações, com a finalidade de não faltar combustível para a produção de ferro e ferramentas, pois sem elas essa indústria não prosperaria.

Em relação a navegação do rio Doce, lamenta que “os empreendedores não concorreram tanto quanto se esperava”. Reclama das chuvas que atrasavam os trabalhos dos engenheiros que examinavam as cachoeiras e das dificuldades que elas colocavam para a navegação do rio Doce e dos seus confluentes. Fazer navegável o rio Doce era fundamental “para se abrir esta inesgotável fonte de riqueza pública que tanto influirá na prosperidade de nossa agricultura, comércio e mineração”. Em relação aos povos indígenas que habitavam suas margens e matas adjacentes ao litoral, o governo de Minas afirmava que vagarosamente progredia a civilização e retrocediam os distúrbios. O governo justificava, no entanto, que isso não significava que fossem desnecessárias as divisões militares, pois os índios, para ele, eram todos desconfiados, vingativos e não respeitam a propriedade, apossando-se dos gêneros de cultura produzido pelos colonos. E esses, assustados, abandonavam as suas terras.

Para o governo de Minas, a experiência demonstrava que, assim que algum local ou quartel ficava sem a guarnição militar, os índios voltavam aos “subúrbios das nossas povoações”, como fizeram em várias ocasiões. No mesmo relatório menciona a proposta da Assembleia de construir um colégio para educação da “mocidade indiana”. Entretanto, alerta que era preciso definir um lugar que não fosse longe da linha divisória que se estava construindo, de modo que os pais pudessem facilmente ir ver os filhos, e não pensassem que esses foram roubados. Isso era importante, porque depois de educados seriam fator de civilização dos demais.

O governo informava sobre um comboio de 16 canoas com a missão de comprar cerca de 44 toneladas de sal em Linhares, no Espírito Santo, a qual saíra em 25 de maio de 1832. Canoas foram construídas especialmente para isso, no quartel-geral de Naque, da Primeira Divisão Militar do Rio Doce. Particulares faziam esse comércio, porém, limitados a um montante de no máximo de 4.500 quilos. Essa operação para compra de sal foi um esforço militar envolvendo várias divisões. Para se ter uma ideia, uma expedição da Quarta Divisão Militar, organizada por seu comandante, capitão Lizardo, foi decisiva para o comboio ultrapassar a cachoeira de Baguari, no dia 6 de junho. Veja que foram 12 dias para ir de Naque à cachoeira de Baguari. Na prática, a navegação somente era viável como uma operação militar. Como o orçamento diminuía e o “estado de decadência das divisões aumentava”, ficava mais distante o desenvolvimento da navegação do rio Doce, conforme afirmação do major comandante geral das divisões militares.

A questão central para o governo de Minas era a necessidade de abrir caminho para beira mar. O alferes do exército, Francisco de Paula Mascarenhas, foi mandado em missão ao rio Doce, para informar ao governo de Minas sobre a paisagem, salubridade, clima, solo, relevo, cachoeiras, acidentes naturais, tempo estimado de navegação, localização de quartéis, fazendas e aldeamentos, costumes dos índios, entre outros assuntos. Como resultado, deixou um documento com o nome longo: “Memoria dos trabalhadores estatísticos e topográficos das margens do Rio Doce, e seus principais confluentes, tirados pelo alferes Francisco de Paula Mascarenhas, na viagem que fez ao arraial de Cuité. Ouro Preto, 1832”.  Esse documento pode ser encontrado na internet.

Doutor em História pela USP / Professor do Curso de Direito da Univale / Coordenador do Mestrado GIT/Univale

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