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História do Rio Doce – V

Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola

No último artigo prometi terminar a história da aventura do inglês William John Steains, subindo o rio Doce da foz até onde hoje é o Parque Estadual do Rio Doce, no ano de 1885, quando tinha 22 anos de idade. Para ultrapassarem

Cachoeirinha (Tumiritinga), os aventureiros foram forçados a navegar junto à margem, com a ajuda de ganchos, para fazerem algum progresso. As chuvas tinham chegado e o volume da água do rio Doce aumentava rapidamente. A profundeza e a forte correnteza impediam o uso de varas, recurso usual de quem navega o rio Doce. O uso de remos estava fora de questão. Nas corredeiras era preciso puxar a canoa com a ajuda de ganchos presos às forquilhas das árvores que cresciam abundantemente nas margens do rio, junto à água. Assim ele se refere ao trabalho que isso dava. “Esse é um processo tedioso, mas ao mesmo tempo é o único processo seguro que se pode adotar em certos trechos do rio durante as cheias.”

Passo a palavra ao jovem John Steains. “Demoramo-nos em Figueira alguns dias, em vista de estarem doentes três dos meus homens, mas a 18 de dezembro a expedição prosseguiu rio acima, procurando adiantar-se o mais possível antes que as cheias chegassem ao seu nível mais alto. A viagem foi relativamente fácil, até que chegamos à cachoeira de Baguari, vinte milhas acima de Figueira. Essa foi a primeira cachoeira pura e simples que encontramos no rio principal, e por sinal muito bonita — não muito alta (30 pés), porém alta o bastante para nos dar muito trabalho em ultrapassá-la.”      

Eles tiveram a sorte de encontrar um grupo de pescadores de Figueira junto à cachoeira. Eles se prontificaram a ajudar os aventureiros na travessia das canoas até depois da queda d’água. Eles retribuíram a ajuda com alguma pólvora e balas. Assim, conseguiram carregar a canoa sobre a cachoeira em menos tempo do que normalmente seria possível. Daí navegaram com facilidade até Naque, onde permaneceram algum tempo, já que o intérprete (conhecedor da língua dos botocudos), de nome Moreira, tinha parentes que não via havia vinte anos.

Passo a palavra ao John Steains: “O que serve para demonstrar como são raros os contatos entre um lugar e outro nesta parte do mundo. Moreira vivia em Guandu e (embora a distância entre Naque e Guandu, em linha reta, seja de apenas 85 milhas) nunca tivera oportunidade de visitar aqueles parentes”. O que chamou a atenção do jovem aventureiro foi o fato de um grande número dos moradores de Naque apresentar bócio no pescoço. O que causa esse papo no pescoço é a falta de iodo e a carência nutricional, especialmente de leite, ovos, vegetais e frutas. Para o povo da localidade, segundo ele relata, esses bócios eram causados pelo fato de a água das redondezas conter multa cal. Essa explicação de que o bócio é causado pela presença de cal nas águas dos córregos e uma atmosfera úmida é encontrada em outros relatos de viajantes que estiveram em Minas Gerais no século XIX.

John Steains também menciona que outra doença muito comum entre essas pessoas era a lepra (hanseníase). A causa apontada por ele para a presença dessa doença era a comida muita calórica que os mineiros estavam acostumados a comer, sempre com muito toucinho e farinha de milho. Em suas palavras, “Os lavradores fazem questão de criar porcos com o único objetivo de obter seu tão cobiçado toucinho.” O que mais incomodava o jovem aventureiro eram os mosquitos e outros insetos. No dia 5 de janeiro a expedição chegou a “cachoeira do Surubim”. Ele informa que depois das Escadinhas (Aimorés) foi onde encontrou mais dificuldade para ultrapassar, pois tiveram que transportar a canoa por terra até o alto da cachoeira, num trabalho demorado, difícil e tedioso. Foram seis dias para conseguir colocar a canoa no rio, acima da cachoeira. Isso já era o dia 11 de janeiro. Esse foi o tempo para percorrer cerca de 100 metros. Eu suponho que essa cachoeira do Surubim seja a cachoeira de Santana, a cerca de 20 km da Ponte Queimada. Pois, segundo John Steains, um dia depois chegaram ao seu destino.

Em suas palavras. “Essa foi a última cachoeira por que passamos no rio Doce, e nossa exploração daquele rio selvagem e estranho estava chegando ao fim. Um dia depois meu pequeno grupo acampou ao pé de outra cachoeira, a da Ponte Queimada, mas não chegamos a ultrapassá-la. Os homens, coitados, devido aos sacrifícios e privações dos últimos dois meses e meio, não tinham perdido apenas as forças, mas também o ânimo, e eu mesmo sofri um ataque de febre, que me deixou fraco e inerme, a que se seguiu quase imediatamente um agudo ataque de malária.”

Da Ponte Queimada seguiram para o povoado de Sacramento (Quartel de Sacramento, distrito de Bom Jesus do Galho), que fica a pouco mais de 30 km de distância. Ao chegar à localidade, tomaram todas as providências para uma tropa de mulas transportar a exausta expedição até a estação de São Geraldo, onde embarcaram no trem da Estrada de Ferro Leopoldina. Eles somente chegaram a São Geraldo no dia 30 de janeiro. No dia seguinte embarcaram para o Rio de Janeiro, onde chegaram depois de 16 horas de viagem. “Nossas andanças, sacrifícios, tribulações e aborrecimentos estavam terminados, mas minha malária não. Ela não me deixou senão às vésperas de meu retorno à velha Inglaterra, onde cheguei no dia 29 de maio de 1886.”

Professor do Curso de Direito da Univale / Professor do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território – GIT / Doutor em História pela USP

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