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Fronteiras

FOTO: Reprodução

Bob Villela (*)

Não contavam com a astúcia dos Estados Unidos. O maior mercado publicitário deste mundo já deu inúmeras provas de seu poderio econômico e criativo na área. Há tempos que produtos, marcas e todo o escopo da cultura estadunidense cruzaram as fronteiras para ser parte do nosso cotidiano. Há exceções, claro. Pessoas e países à prova de super-heróis, refrigerantes, lanches e cereais que eles criaram e difundiram. Mas de modo geral, temos como se fossem de casa os elementos importados da Casa Branca. Nessas horas, parece não haver diferenças entre a gente.

Mas há!

E foi justamente para deixar isso bem delimitado que o governo do país norte-americano importou — que ironia! — um personagem mexicano que o Brasil admira muito. É que o ator Carlos Villagrán, que foi o Quico na série Chaves, é a estrela de uma campanha controversa que está rolando no México — que também é um país norte-americano, é sempre bom lembrar. Vamos ao vídeo. Devidamente caracterizado como o filho da Dona Florinda, nosso garoto-propaganda se esforça para dissuadir os mexicanos de tentar entrar nos EUA de forma ilegal. Segundo a imprensa, essa modalidade de travessia anda batendo recordes por lá — claro, com a ajuda de todo um continente que se reúne no país da Frida Kahlo com o sonho de ver cores mais vivas do outro lado.

Quico era o “tesouro” de Dona Florinda na série mexicana mais brasileira que existe. Essa joia era mimada, tinha acesso a benefícios que eram mais raros na vizinhança e chorava copiosamente diante de adversidades. Geralmente, quem cruza a fronteira buscando outras condições de vida no eldorado americano não teve a vida que Quico levou. Talvez por isso a campanha tenha gerado tanta polêmica. Aparentemente, não foram poucos os que se sentiram como uma “gentalha” diante dos conselhos do personagem. Registre-se que não há aqui uma condenação ao ator. Talvez ele esteja precisando trabalhar e, mesmo que não seja o caso, ele é a parte mais miúda nessa história. Também não seria o caso de cancelar Chaves, série que, embora eu respeite muito, nunca teve em mim um fã.

Porém tomando emprestado o trecho de um slogan que a Tim difundiu, há outros mexicanos dos quais sou um fã “sem fronteiras”. A Tim que, por sinal, é concorrente da Claro, que é controlada por um grupo mexicano. E operadoras me lembram de uma ligação que fiz com o cinema há décadas, da qual jamais me desliguei. Pois bem, um dos gênios contemporâneos que acompanho é o Alejandro González Iñárritu. Nascido na Cidade do México, ele atravessou a fronteira de forma legal (em qualquer sentido que se queira dar) e foi empilhar prêmios Oscar para seu país. Amores Brutos, Babel, 21 Gramas, Birdman e O Regresso são alguns de seus regalos à história do cinema. Em Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades, o diretor exibe um drama fantástico sobre um jornalista em crise existencial. A história, baseada nas memórias dele, se vale de imagens com um surrealismo melancólico para refletir sobre o amor pelo México e as glórias que obteve nos EUA. Para mim, uma obra-prima saborosa e irretocável.

“Yo te quiero con limón y sal
Yo te quiero tal y como estás
No hace falta cambiarte nada”

É assim que vejo o cinema de Iñárritu. Tal qual a letra temperada de Julieta Venegas, cantora que, embora nascida na Califórnia, é mexicana. Ela leva sua mensagem e sua simpatia ao mundo inteiro, inclusive aos EUA. Que siga assim, pois estamos precisando. E que sigamos o exemplo dela, na proporção da nossa atividade. Porque “cambiar” impressões sobre rótulos e conclusões precipitadas acerca dos movimentos da nossa gente, passando a observar os contextos e a respeitar a dor do outro, é tão difícil quanto discordar do talento dos EUA na publicidade — não exatamente esta do Quico. Na vida, a sensação é de que estamos sempre na metade do filme. E a impressão que tenho é que fronteiras, entre países e pessoas, só tendem a ganhar ênfase quando o negócio é (ou deixa de ser) tão atraente.


(*) Bob Villela
Jornalista e publicitário.
Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale.
Instagram: @bob.villela
Medium: bob-villela.medium.com

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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