Fake news podem gerar morte, afirma Denise Alves

FOTO: Jonathan Reis

GOVERNADOR VALADARES – De uns tempos pra cá, alguns jornais têm atuado mais em desmentir informações do que em realmente informar coisas novas. Isso ocorre por causa de uma onda conhecida por muitos como fake news. Notícias fake sempre existiram, mas com a internet elas se disseminam com mais rapidez e em grande escala, atingindo um público imensurável.

Para explicar as origens dessa onda perversa de desinformação, que acabou se tornando uma arma, conversamos com a professora Denise Alves.

Ela explica quando o termo passou a ser utilizado nos tempos atuais e como ele impacta não apenas no conhecimento, mas na vida das pessoas.

Confira a entrevista completa em nosso site, ou em nossos canais no YouTube e Spotify.

FRED SEIXAS – Qual o objetivo de alguém que dissemina fake news?

DENISE ALVES – O conceito de fake news é uma tradução simples do inglês de fake (falsa) e news (notícia). Então é uma notícia falsa. E quando a gente pensa em notícia, a gente sabe que a proposta dela é divulgar a verdade. O papel do jornalista é tomar conhecimento das informações e torná-las públicas, sempre se baseando na verdade. Então quando surge a expressão fake news, chega a ser contraditório, porque se é notícia, em tese, não teria que ser fake. Então quando surge uma notícia falsa, em geral, a gente percebe que essa desinformação tem um objetivo. Normalmente está ligada a difamação. Difamar alguém, alguma entidade, alguma instituição, algum órgão. Então, normalmente, quando essas fake news começam a circular, elas tendem a fazer essa campanha negativa em relação com a pessoa física ou jurídica que está envolvida com aquela notícia falsa.

FRED SEIXAS – E as fake news sempre existiram ou é algo novo, da sociedade moderna?

DENISE ALVES – As fake news, infelizmente, sempre existiram. Essa nomenclatura, fake news, é bem recente. Quem a usou pela primeira vez foi o Donald Trump, na eleição de 2016, nos Estados Unidos, contra a candidata Hillary Clinton, e existia esse mesmo movimento de fazer circular notícias com o objetivo de difamar um dos candidatos. Em uma das aparições públicas dele, ele citou a expressão: fake news. A partir daí, todos nós da imprensa e de outros segmentos começamos a usar a expressão, especialmente em questões eleitorais. Mas é importante destacar que, apesar de a gente não utilizar essa expressão antes do Trump, com tanta frequência, já existia esse movimento de notícias falsas. Por exemplo, aqui no Brasil, na eleição de 2014, a Dilma Rousseff era candidata pelo PT (Partido dos Trabalhadores), a Marina Silva tinha rompido com a Dilma, e, se não me engano, disputava pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) e o Ciro Gomes era outro candidato, se não me engano, pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista). Eram candidatos que eram aliados, romperam e tornaram-se adversários.

Os pesquisadores avaliam que a base eleitoral foi diluída entre os três, porque os próprios candidatos se difamaram entre si porque entendiam que estavam buscando os mesmos eleitores. E, na época, a Marina Silva deu entrevistas falando sobre isso. Falando que muitas das informações que foram veiculadas eram falsas, muitas difamando a vida pessoal dele, envolviam questões particulares, questões ligadas à religião dela. Então já existia essa prática. E antes desse movimento da internet, nas cidades do interior era muito comum dormir e acordar no outro dia com um monte de panfletinho falando da vida do candidato, questões de cunho pessoal, da honra, da imagem, relacionados à família, esposa, filhos e muitas vezes eram notícias falsas. Então as fake news sempre existiram, mas com esse nome foi a partir de 2016.

FRED SEIXAS – Eu me lembro dos panfletinhos. Era terrível. Especialmente nas eleições municipais. Você acha que a internet e as redes sociais amplificaram a disseminação das fake news?

DENISE ALVES – Amplificaram muito, porque, por exemplo, os jornais e panfletos falsos eram documentos de papel, que tinham uma tiragem e um limite de alcance de pessoas.

FRED SEIXAS – A gente chamava esses panfletos de apócrifos…

DENISE ALVES – Isso mesmo. Mas com a internet, especialmente com o smartphone, você recebe as informações e repassa de maneira muito rápida. E eu estou falando de todos nós, eu também. Quando a gente recebe uma informação que julgamos ser importante, a gente encaminha imediatamente. E às vezes nem checamos se a informação está correta. A internet viabilizou que a informação, muitas vezes falsas, como as fake news, chegue a um número muito maior de pessoas e em curto tempo. É difícil até coibir, identificar a origem, saber quem publicou primeiro, porque ela é disseminada com muita velocidade.

FRED SEIXAS – Que consequências as fake news podem causar? Acha que é uma ameaça à vida?

DENISE ALVES – Infelizmente, sim. Isso ficou muito claro na pandemia de covid-19, em 2020, quando tivemos muitas fake news relacionadas às vacinas, que já haviam sido testadas e promoveram saúde e o retorno do nosso convívio social. A gente foi se vacinando e as coisas foram voltando ao normal e o sistema de saúde conseguiu voltar a atender as pessoas.

FRED SEIXAS – E ninguém virou jacaré até hoje, não é…

DENISE ALVES – Até hoje não vi ninguém. Continuamos tendo a doença, mas hoje o sistema de saúde dá conta de atender as demandas, o que não acontecia nos momentos mais graves da pandemia. Então aquele movimento [fake news] gerou não apenas desinformação, mas o fim da vida de muita gente. Muitas famílias perderam entes queridos há quatro, três anos. Quantas coisas nós vivemos nesse período que essas pessoas não viveram por causa da desinformação. Quantas crianças ficaram órfãs? Então a desinformação não gera apenas falta de conhecimento, ou uma informação incorreta, ela pode gerar a morte. Então é muito grave.

FRED SEIXAS – Nós tivemos também uma fake news que provocou o suicídio de uma jovem no interior do Estado. Ela foi acusada falsamente de ter um relacionamento com Whindersson Nunes, que rebateu todas as acusações. Mas os ataques à moça foram tantos que ela não suportou. Existe alguma punição para quem pratica fake news no Brasil?

DENISE ALVES – A punição relacionada a fake news ainda é muito amena. Por exemplo, no Código Penal, a conduta precisa estar tipificada. E não tem, especificamente, um tipo penal relacionado a fake news. Entretanto a gente tem um tipo penal que chama falsidade ideológica, que é o artigo 299 do Código Penal, que a gente poderia relacionar, dependendo do tipo de fake news que a pessoa produziu ou divulgou que está relacionado a omitir em documento público, ou particular, declaração que devia constar ou inserir declaração falsa ou diversa da verdade. Para este tipo penal, a pena é de reclusão de 1 a 5 anos e multa. Mas não, necessariamente, uma fake news vai ser uma falsidade ideológica, dependendo da forma como ela foi feita, divulgada e disseminada. No contexto da legislação eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022, expediu uma resolução, a Nº 23.714, que trata de fake news, promovendo punições severas para pessoas e instituições que disseminassem notícias falsas. Entre as punições: o acesso da página seria imediatamente suspenso e a multa seria de R$ 100 mil a R$ 150 mil por hora. Inclusive, naquela época, o Procurador Geral da República entrou com um processo no Supremo Tribunal Federal (STF), indicando que aquela resolução ultrapassava a Constituição. Mas no julgamento, os ministros do STF entenderam que ela não ultrapassava os dispositivos legais, os direitos fundamentais, por entender que as fake news podem gerar a morte. E naquele caso específico poderia implicar no eleitor escolher um candidato com base em uma informação falsa. Mas é uma resolução ligada apenas ao período eleitoral e a notícias ligadas apenas às eleições.


Na entrevista, Denise Alves falou ainda sobre o impacto das fake news nos trabalhos de resgate no Rio Grande do Sul. Explicou ainda se há a necessidade de mudar algo na legislação para punir quem cria fake news e o que fazer para mudar este movimento no Brasil. Confira a entrevista completa em nosso site ou em nossos canais no YouTube e no Spotify. Denise Alves é mestra em Gestão Integrada do Território e pós-graduada em Docência do Ensino Superior. Possui graduação em Jornalismo pelo Centro Universitário Newton Paiva (2005) e em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce (2019). Advogada inscrita na OAB/MG nº 201282. Atualmente, é professora das disciplinas ‘Teoria Geral do Direito’ (no curso de Direito) e ‘Direito e Legislação da Comunicação’ (nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda). Além disso, é servidora efetiva Técnico-Administrativo em Educação (TAE) na Universidade Federal de Juiz de Fora, campus Governador Valadares.

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