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De onde vem a dificuldade de dizer “não”?

por Dr. Lucas Nápoli (*)

Uma das queixas mais frequentes nos consultórios de Psicologia, atualmente, diz respeito à dificuldade que muitas pessoas experimentam de negar pedidos, demandas e convites. “Não consigo dizer ‘Não’” – é assim que tais pacientes costumam descrever o problema. Por razões que não são capazes de distinguir com clareza, esses indivíduos sentem-se extremamente constrangidos e desconfortáveis por não desejarem acatar a demanda do outro. Em decorrência disso, acabam abdicando do próprio desejo para satisfazer os pedidos das outras pessoas.

A ocorrência frequente de situações dessa natureza faz com que as pessoas que não conseguem dizer “não” se sintam como prisioneiras de si mesmas. Incapazes de sustentar o desejo de não fazer aquilo que é solicitado pelo outro, tais indivíduos passam a nutrir uma avaliação de negativa de si mesmos, considerando-se fracos e inseguros. Confusas por não entenderem os motivos pelos quais não conseguem dizer “não”, essas pessoas vão pouco a pouco forjando estratégias de fuga para evitar o encontro com aqueles que irão lhe fazer convites, propostas e demandas. Elas passam, então, adotar um comportamento predominantemente evitativo, pois, agindo dessa forma, conseguem, pelo menos, reduzir a frequência das situações em que se verão incapazes de dizer “não”.

De onde vem essa dificuldade? Por que, para algumas pessoas, é uma tarefa tão difícil simplesmente recusar um convite, uma proposta ou um pedido? Se quisermos procurar essa resposta no plano da consciência, certamente nossa empreitada será infrutífera. Afinal, as pessoas que sofrem desse mal são capazes de elencar inúmeros motivos pelos quais elas deveriam recusar as demandas que lhes são feitas. Contudo, por razões que desconhecem, simplesmente não conseguem expressar a recusa. Portanto, a solução que procuramos para o problema da dificuldade de dizer “não” deve ser buscada em outra região da mente e não na consciência.

Esse outro território do nosso psiquismo recebe o nome na Psicanálise de “Inconsciente”. É lá que residem os impulsos, medos, desejos e fantasias que, ao longo da vida, nós fomos expulsando de nossa consciência. Exilados, por assim dizer, tais conteúdos continuam exercendo efeitos sobre o nosso comportamento sem nos darmos conta disso. É no Inconsciente que encontraremos alguns dos motivos que podem levar certos indivíduos a se sentirem tão desconfortáveis quando desejam recusar alguma demanda do outro.

No Inconsciente poderemos verificar, por exemplo, a presença do desejo de querer ocupar a função do objeto mágico que sempre satisfaz o outro. Pode ser que o sujeito em questão tenha sido colocado na infância justamente nesse lugar por sua mãe. Não são raros os casos que uma genitora, insatisfeita com o marido, por exemplo, procure compensar suas frustrações por meio dos seus filhos. Os pequenos, então, se veem forçados a exercer para a mãe o papel de objetos compensatórios. Tal posição, para a criança, pode ser até bastante prazerosa, pois ela se perceberá como um objeto valioso para a mãe. O problema é que se trata de um papel insustentável no longo prazo: a criança não pode permanecer para sempre no lugar de objeto do desejo do outro; ela precisa se emancipar subjetivamente e buscar os seus próprios objetos de satisfação. Ocorre que algumas pessoas, por razões que somente no “caso a caso” podem se deslindadas, permanecem fixadas àquela posição e acabam inconscientemente buscando na vida adulta situações nas quais possam continuar servindo como objetos de satisfação do desejo do outro. Assim, não conseguem recusar pedidos. Afinal, o desejo inconsciente de satisfazer esse outro que ocupa agora o lugar que outrora era ocupado pela mãe acaba sendo mais forte do que o próprio sujeito.

Outra possibilidade refere-se àqueles casos em que o indivíduo não recebeu por parte dos seus cuidadores primários o acolhimento, o olhar e a sustentação psíquica necessários para que se percebesse como alguém que existe e que tem valor. Nós não nascemos com essa consciência. São os nossos pais (ou outras pessoas que exerçam a função parental) os responsáveis por “inocular” em nós o sentimento de segurança básica com base no qual reconhecemos o nosso valor pessoal intrínseco. Pessoas que não receberam nos primeiros anos de vida essa “injeção” psíquica podem chegar à vida adulta carregando dentro de si um sentimento crônico de insegurança que as leva a não perceberem os próprios interesses como legítimos e dignos de valor. Indivíduos que não foram devidamente acolhidos e assegurados na infância se viram obrigados a considerar o mundo como uma dimensão à qual eles devem se adaptar e não como um ambiente no qual podem encontrar um lugar próprio e legítimo. Assim, diante das demandas do outro, nutrindo a sensação de serem hóspedes indesejados no mundo, tais sujeitos não se percebem como tendo o direito de dizer “não”. No fundo, mantêm a esperança infantil de que se fizerem tudo certinho, ou seja, se forem legais com todo mundo e aceitarem tudo aquilo que o mundo lhes propõe, finalmente alguém irá validá-los e atribuir a eles algum valor.

Perceba, portanto, que a dificuldade de dizer “não” diz respeito não apenas a uma inabilidade social, mas a processos psíquicos muito profundos, de ordem inconsciente. Há aqueles que não conseguem dizer “não” porque não querem abandonar a posição de objetos de satisfação para o outro e há aqueles que não conseguem recusar demandas porque inconscientemente não se sentem autorizados a fazer isso. Essas são apenas duas possibilidades, dentre as várias que a alma humana, em sua incomensurável complexidade, pode abrigar.

(*) Psicólogo/Psicanalista; doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); psicólogo clínico em consultório particular;  psicólogo da UFJF-GV; professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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