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Covid-19 e a doença ocupacional

Patrícia Ferreira Muzzi

A extensão dos efeitos da pandemia causada pela proliferação do coronavírus vem sendo estudada e avaliada diariamente. Por se tratar de situação ímpar vivida no país, operadores do Direito buscam antever as possíveis implicações da calamidade pública nas relações jurídicas existentes. Dentre elas, destaca-se, em particular, as relações de trabalho, que vêm sendo duramente afetadas sob muitos aspectos, acentuando-se, no presente texto, o eventual surgimento de doenças ocupacionais derivadas da patologia causada pela Covid-19.

A Medida Provisória nº 927/2020 e a doença ocupacional

A Medida Provisória (MP) nº 927, publicada pelo Governo Federal, contém uma série de alternativas aos empregadores para viabilizar a adesão à política de isolamento populacional como uma forma de se conter a proliferação do vírus, além de trazer outras considerações que merecem especial atenção, dentre elas a disposição expressa sobre a contaminação da Covid-19 e a doença ocupacional.

O coronavírus e o nexo de causalidade

Inicialmente, importante trazer a lume que a Constituição Federal garante como direito dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII, CF/88).

O meio ambiente de trabalho deve ser preservado, sendo de responsabilidade do empregador oferecer as condições necessárias para tanto, sob pena de responsabilização pelos órgãos de fiscalização e, inclusive, de rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 483, alínea c, da CLT.

Tratando-se de uma patologia de carga biológica com elevado grau de contágio, passou-se a indagar as consequências legais de um trabalhador ser contaminado pelo vírus durante o exercício das atividades laborais. Seria uma doença ocupacional equiparada à acidente de trabalho?

Nesta senda, buscando limitar eventual responsabilização civil do empregador, a MP nº 927/2020 trouxe, em seu artigo 29, como requisito para configuração de doença profissional, a comprovação do nexo de causalidade entre a contaminação da Covid-19 e a prestação de serviços.

Nexo causal é a relação de condicionalidade necessária entre um fato e um dano, ou seja, este último se qualifica como a consequência lesiva do fato. Contudo, aferir o nexo de causalidade, nas circunstâncias atuais, não nos parece uma conclusão de fácil consecução.

De tal sorte, fica-se a dúvida: quando e como seria configurado o nexo causal diante da peculiaridade do coronavírus?

Profissionais de saúde e outros trabalhadores que atendem ao público, ou tenham contato próximo com um número maior de pessoas, podem, eventualmente, ser contaminados em razão das atividades desempenhadas. Neste caso, haveria então o nexo de causalidade? Empregados que contraem a doença de seus empregadores poderiam suscitar o nexo de causalidade? Ambientes de trabalho que não seguem as normas estabelecidas pela OMS gerariam nexo de causalidade na ocorrência de empregados contaminados?

Como se verifica, inúmeros questionamentos derivam da situação peculiar e insólita vivida. Nesse aspecto, não se sabe ao certo, neste momento, como será interpretado o nexo de causalidade nos casos do coronavírus. O enquadramento ou não deste como uma doença ocupacional é uma matéria que deverá ser apreciada caso a caso, avaliando-se as peculiaridades das relações trabalhistas.

Assim, recomenda-se às empresas que possam aderir às medidas recomendadas para promover o isolamento de seus empregados, que assim o façam, já que a condução empresarial ativa e em prol da preservação da saúde dos empregados será certamente valorada de forma positiva pela Justiça do Trabalho quando da aferição do nexo causal.

Reitera-se, ainda, tratando-se de dever do empregador a manutenção de meio ambiente de trabalho sadio, ainda que não seja possível o desejável isolamento, importante que as empresas demonstrem uma postura diligente, adotando os recursos viáveis e disponíveis para prevenção do contágio durante o labor.


Patrícia Ferreira Muzzi – Advogada da área de Direito do Trabalho do VM&S Advogados, graduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos/MG (2012), cursando pós-graduação em Direito e Compliance Trabalhista (Ieprev) e membro da Oficina de Estudos Avançados ‘As interfaces entre o Processo Civil e o Processo do Trabalho’ – IPCPT. 

E-mail: patricia.muzzi@vmsadvogados.com.br

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem, necessariamente, a opinião do jornal.

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