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Conhecimento e coragem: dois fatores cruciais na terapia psicanalítica

Dr. Lucas Nápoli (*)

Atualmente existem inúmeras opções de terapia para pessoas que estão atravessando um período de turbulência emocional. Tem para todos os gostos e bolsos. Há alternativas tradicionais e bem fundamentadas cientificamente, entre as quais está a Psicanálise, mas há também uma infinidade de práticas pseudocientíficas cujos resultados podem ser atribuídos à boa e velha sugestão hipnótica.

Considerando apenas as psicoterapias que se baseiam em sólida evidência científica, assistimos hoje a certa disputa velada entre a Psicanálise e a Terapia Cognitivo-comportamental (TCC). Após terem gozado durante décadas de um status hegemônico no campo psicoterapêutico, os psicanalistas observam hoje o crescimento bastante acentuado do prestígio da TCC. Muito mais alinhada do que a Psicanálise ao pragmatismo e superficialidade característicos dos nossos dias, a terapia cognitivo-comportamental vem sendo considerada equivocadamente por muitas pessoas (incluindo profissionais de saúde) como a única modalidade psicoterapêutica cuja eficácia é comprovada cientificamente.

Trata-se de um erro nascido da ignorância em relação à literatura científica que atesta há décadas a eficácia da Psicanálise. Diversos estudos que compararam a efetividade da terapia psicanalítica e da TCC demonstraram que ambos tipos de tratamento funcionam e possuem mais ou menos os mesmos índices de eficácia. Portanto, quando você, caro leitor, ouvir alguém dizendo por aí que só a TCC tem comprovação científica, diga a essa pessoa que ela está, no mínimo, desinformada.

A Psicanálise funciona. Ponto. E quando eu digo “funciona”, estou me referindo ao fato de que ela produz remissão de sintomas mesmo, ou seja, a pessoa inicia o tratamento com determinadas queixas e ao longo da terapia vai conseguindo superar tais problemas. O processo por meio do qual esse resultado acontece é o que procurarei descrever nas próximas linhas. Muitas pessoas, influenciadas pela imagem estereotipada da Psicanálise na cultura, acreditam que o êxito do trabalho psicanalítico se deve apenas ao fato de o paciente descobrir coisas que estavam enterradas em seu Inconsciente. Na verdade, essa é uma parte muito importante do processo, mas não é a única. Tentarei mostrar a seguir que outro elemento crucial para a eficácia do tratamento psicanalítico é a relação de confiabilidade que se estabelece entre paciente e analista.

Podemos dizer que os dois fatores básicos que promovem a mudança no paciente durante uma Psicanálise são o conhecimento e a coragem. Com efeito, o adoecimento psíquico é resultado da ignorância em relação aos elementos que estão por trás dos sintomas aliada ao medo de entrar em contato com esses elementos.

Existe em nós uma inclinação básica à busca de prazer e à evitação de desprazer. Essa inclinação se expressa na tendência que temos de fugir ou evitar experiências que nos façam sentir dor e sofrimento. Contudo, nem sempre a fuga ou a evitação são possíveis, especialmente quando o sofrimento é provocado por um conflito entre diferentes desejos que nos habitam. Quando uma parte da alma anseia por certa coisa e outra parte condena esse desejo, estabelece-se um conflito psíquico que, por sua vez, produz a experiência de mal-estar. Em função dessa inclinação que temos de evitar o desprazer, tentaremos fazer alguma coisa com esse conflito psíquico para extinguir a experiência de dor que ele produz. Assim, podemos acabar dissociando o conflito, ou seja, expulsando-o de nossa consciência e passando a viver como se ele não existisse, embora o danado continue presente na dimensão inconsciente da alma.

Ao dissociarmos o conflito, estamos abrindo caminho para o adoecimento. Com efeito, teremos que construir sintomas para manter o conflito quietinho lá no inconsciente (embora os próprios sintomas já sejam expressões disfarçadas do conflito). Dessa forma, o caminho para a remissão dos sintomas começa pela descoberta do conflito em relação ao qual eles foram criados. É preciso que o paciente fale abundantemente sobre seu adoecimento e sobre sua vida de forma geral a fim de que paulatinamente ele e o analista possam ir mapeando os traços indicativos do conflito psíquico do qual brotou a enfermidade. Esse é um processo que pode demorar bastante tempo, pois depende tanto da capacidade do paciente de produzir o material a ser analisado quanto do analista de auxiliar o paciente a identificar em seu próprio discurso os indícios do conflito.

O resultado dessa investigação que paciente e analista empreendem juntos é um conhecimento, ou seja, um saber capaz de completar as lacunas existentes na vida psíquica do paciente e que estão na origem de sua doença. No entanto, a produção desse saber não é suficiente para produzir a melhora. O paciente precisará se sentir suficientemente encorajado a encarar o conflito psíquico e elaborá-lo, ou seja, pensar sobre ele, reintegrando-o à sua vida consciente. A coragem se faz necessária porque ele precisará enfrentar a dor que, como dissemos anteriormente, é produzida pelo conflito. Para adquirir essa coragem que faltou no passado (e por isso vieram os sintomas), o sujeito precisará contar com a segurança proporcionada pelo vínculo estabelecido com o analista. Portanto, para-além da descoberta dos conflitos inconscientes que estão na origem do adoecimento, outro fator crucial que sustenta a eficácia da terapia psicanalítica é o encorajamento obtido pelo paciente por meio da relação de confiabilidade que se desenvolve entre ele e o analista ao longo do tratamento.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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