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Celebridade é vítima de crimes contra honra dentro de condomínio

por Cleuzany Lott (*)

Uma vendedora ambulante me ofereceu “o cabelo da Deolane”. Na hora só me lembrava da viúva do MC Kevin, pois antes da polêmica morte dele eu nunca tinha ouvido falar de Deolane Bezerra. A abordagem foi tão inusitada que eu nem perguntei o preço do aplique. Mas soube, pelos portais de celebridades, que o megahair de 70 cm e 350 gramas de cabelo natural brasileiro, usado por ela, pode custar até R$ 7 mil. Um luxo que muitos afortunados não podem mais se dar, especialmente após a pandemia.

Pelo preço dos fios, é possível deduzir que a situação financeira da advogada é compatível com o valor que ela paga para morar em um condomínio de luxo em Alphaville, em Barueri, São Paulo.

Mas o paraíso não tem sido fácil para a emergente influenciadora digital. Em entrevista a um podcast paulista, Deolane contou que alguns vizinhos usam o aplicativo de mensagens do residencial para mandar recados desaforados para ela. A maioria das postagens discrimina a origem humilde da famosa, mandando-a de volta para a favela.

Ao comentar sobre o valor de uma conta de luz, por exemplo, uns sugeriram que a nordestina “voltasse para favela e fizesse um gato”, ao invés de reclamar.

Semelhantemente ao que acontece com a celebridade, centenas de pessoas são vítimas de preconceito e ofensa nos condomínios Brasil afora. Entretanto, no afã de atacar o outro, o tiro pode sair pela culatra. Isso ocorre quando o que foi falado ou escrito for crime contra a honra de alguém.

Na acepção da palavra, crime pode ser conceituado como o comportamento proibido pelo Código Penal ou legislação penal extravagante.

Por honra entende-se o “conjunto de atributos morais, intelectuais e físicos referentes a uma pessoa, que lhe conferem autoestima e reputação”.

Há distinção entre honra objetiva e subjetiva. Em termos práticos, a honra subjetiva é a visão que a pessoa tem sobre si mesma, o juízo que cada um faz de si, o autorrespeito, a autoestima.

A honra objetiva é a visão da sociedade sobre a pessoa, ou seja, a reputação que a pessoa tem diante do ambiente social no qual ela vive.

O Código Penal prevê três tipos de crimes contra honra: calúnia (artigo 138), difamação (artigo 139) e injúria (artigo 140).

Segundo o Código Penal, caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime, acarretará em detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Quem souber que a imputação é falsa e mesmo assim propagar ou divulgar, também comete o crime.

Ao acusar Deolane de fazer “gato” na favela, o vizinho da celebridade pode ter cometido o crime de calúnia, cujos requisitos são: imputação de fato determinado, qualificado como crime e falsidade da imputação.

Como “gato” é uma ligação clandestina, normalmente usada para furtar energia elétrica ou água, tipificado no artigo 155 do Código, os requisitos exigidos pela lei para ser considerado calúnia estariam preenchidos, configurando o crime.

A difamação ocorre quando a pessoa tenta prejudicar a reputação da outra, não importando se os fatos são verdadeiros ou não. Por exemplo, dizer que uma mulher casada está tendo um relacionamento com outra pessoa é calúnia.

Nesse exemplo, não importa se a infidelidade existe ou não, pois o adultério deixou de ser crime em 2005, mas a ofensa fere a reputação da pessoa atingida. Pela difamação, o maldoso pode se condenado de três meses a um ano e ainda pagar multa pela ofensa.

A injúria está relacionada com a autoestima; ocorre quando alguém xinga, ofende com palavras negativas, de baixo calão, que insultam ou atingem o amor próprio, o respeito, reduzindo a pessoa a uma característica pejorativa. É o caso de alguém xingar o outro de mentiroso, imbecil, idiota. Para essa “opinião”, a punição é detenção, de um a seis meses, ou multa.

Mas se nos insultos forem usados elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, a pena pode chegar a três anos de reclusão e multa.

Contudo, quem for vítima de um desses crimes e quiser acionar a justiça precisa agir rápido. Tão logo o ofensor seja identificado, a pessoa tem seis meses para propor a queixa-crime. Se passar desse prazo, o advogado não terá mais como entrar com ação penal de iniciativa privada.

A ofensa também pode pesar no bolso. Se o sofrimento, a angústia e a humilhação suportados pela vítima causarem prejuízos imateriais e passíveis de reparação, concomitantemente caberá uma ação cível de danos morais, visando que o criminoso pague em dinheiro pelas consequências, cujo valor será definido pelo juiz da causa.

Enfim, a iniciativa de reparar os danos causados por alguém em um condomínio não tem nada a ver com o síndico. Quem se sentir prejudicado deve juntar todas as provas, procurar um advogado e acionar a justiça, pois a honra é direito fundamental de todo cidadão e cidadã.

(*) Cleuzany Lott é advogada, especialista em direito condominial, síndica, jornalista, publicitária e diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM).


As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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