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A importância das tradições para o jogo democrático

Cerimônia de posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. FOTO: Marcelo Camargo/ABr

por Luísa Almeida (*)

As tradições são fundamentais para o estabelecimento da ordem democrática. Elas auxiliam no processo de fortalecimento das estruturas e instituições democráticas, na criação de vínculos e no processo da população se reconhecer enquanto uma nação. Passam uma sensação de tranquilidade e ordem. São as tradições que mantêm vivas os símbolos democráticos, a memória da nação e contam sobre a História de um povo; são “um conjunto de práticas de natureza simbólica, normalmente reguladas por regras ou abertamente aceitas, que visam estabelecer certos valores e comportamentos baseados na repetição, implicando automaticamente em uma continuidade em relação ao passado”, segundo Eric Hobsbawm e Terence Ranger no livro A invenção das tradições (1984).

Uma das tradições inventadas mais simbólicas e estabelecidas do Brasil é a cerimônia de posse presidencial. No último domingo, 1º, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência pela terceira vez, tornando-se o 39° presidente do país. A posse, marcada por uma grande festa e apoiadores presentes, teve como destaque a ausência do presidente derrotado nas eleições, Jair Messias Bolsonaro. O ex-presidente, dias antes, viajou para os Estados Unidos a fim de não participar da cerimônia, se tornando o primeiro presidente do Brasil a terminar o mandato fora do país.

Algumas tradições da cerimônia de posse consistem na assinatura do livro, o desfile com o Rolls-Royce conversível, os discursos do presidente eleito e a transferência da faixa presidencial. No âmbito democrático, o ritual possui grande importância por todo seu simbolismo – essencial para a política. São formalidades que mantêm viva as tradições democráticas e sustentam uma estrutura de poder. O ritual simbólico de passar a faixa ao sucessor foi instituída ainda no século XX, em 1910, com o oitavo presidente do país, Hermes da Fonseca. É prevista legalmente desde 9 de março de 1972, apesar de não ser obrigatório, por meio do Decreto n° 70.274, assinado pelo então presidente General Emílio Garrastazu Médici, no qual estabelece as normas oficiais da cerimônia de posse do presidente da República.

Com a ausência, Jair Bolsonaro quebrou um rito que, embora simbólico, representa mais uma atitude do ex-presidente em desrespeito à ordem democrática, às tradições políticas e ao decoro parlamentar. Segundo diversos cientistas políticos e intelectuais da área, a relevância da cerimônia e a passagem do adereço está no que ela simboliza: ao passar a faixa, os governantes estão mantendo uma continuidade com o passado, sinalizando que as regras estipuladas pelo jogo democrático estão sendo respeitadas e estão passando a ideia de que “tudo está bem”. A ideia de uma sociedade democrática, para o filósofo e pedagogo estadunidense John Dewey, só se pode aplicar quando há uma mútua cooperação entre os homens e quando existem convenientes e adequadas oportunidades para a reconstrução dos hábitos (DEWEY, 1959, p. 108-109). A quebra desses hábitos estabelecidos, que aqui chamamos de tradições, diz muito sobre os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro: a constante deterioração da Democracia brasileira.

Válido pontuar que Bolsonaro não foi o primeiro. No Brasil, a última vez que o presidente em exercício não passou a faixa para seu sucessor remonta ao fim da ditadura militar, quando José Sarney tomou posse naquele ano e não contou com a presença do General Figueiredo, o último presidente militar. Foram quase 30 anos em que todos os presidentes entregaram a faixa ao sucessor eleito, interrompida neste ano. Passar a faixa presidencial é um importante símbolo de uma transição pacífica de poder e uma tradição inventada essencial para a vigência da ordem democrática de uma nação. Que em janeiro de 2027, na nova posse presidencial, Lula (que já sinalizou que não irá concorrer à eleição) possa seguir com a tradição democrática de passar a faixa.


(*) Historiadora formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Mestranda em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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