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Autocompaixão: pare de se cobrar tanto!

por Dr. Lucas Nápoli (*)

Recentemente a palavra “autocompaixão” tem ganhado as páginas de artigos e livros de Psicologia, notadamente nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, o termo ainda é pouco conhecido tanto por psicólogos quanto pelo público leigo. Autocompaixão é basicamente o oposto de autocobrança. As pessoas que exercitam a autocompaixão olham para si mesmas de modo acolhedor e compreensivo ao invés de se torturarem com exigências, cobranças e críticas excessivas.

Em geral, somos muito bons em condenar a nós mesmos por coisas que fizemos ou mesmo desejamos fazer. Não por acaso, essa nossa capacidade de exigir, cobrar e criticar o próprio eu recebeu até um nome em Psicanálise: Freud a batizou de superego. Segundo o autor, superego é a parte do eu que resulta da internalização de nossas figuras parentais. Em outras palavras, a gente sai da infância, mas leva consigo as vozes acusatórias de papai e mamãe no interior de nosso psiquismo. São essas vozes, misturadas às de outras figuras de autoridade que passaram por nossas vidas, que escutamos quando fazemos ou queremos fazer algo que consideramos errado.

O superego é implacável. Por isso, a maioria de nós costuma se martirizar após cometer um erro. Sentimo-nos culpados, desejamos inutilmente voltar atrás, nossa autoestima diminui e prometemos para nós mesmos que jamais cometeremos o erro novamente. Ou seja, comportamo-nos exatamente como uma criança quando leva bronca dos pais. A diferença é que a bronca, em nosso caso, vem de nós mesmos – da nossa consciência, do superego.

A autocompaixão é uma competência, isto é, uma mistura de elementos cognitivos, afetivos e comportamentais, que visa sabotar o furor acusatório do superego. Trata-se de exercer em relação a si mesmo o mesmo grau de empatia, benevolência e compreensão que geralmente dirigimos às outras pessoas. Afinal, você já reparou como costumamos tolerar com muita mais facilidade os erros dos outros do que as nossas próprias faltas? A maioria das pessoas é assim. Por isso, você provavelmente conhece o termo compaixão, mas nunca havia ouvido falar em autocompaixão.

Ser autocompassivo significa encarar as próprias falhas, deslizes e erros como acontecimentos normais e não como catástrofes que devem ser evitadas a qualquer custo. Neste momento eu tenho certeza de que você deve estar pensando: “Mas, Lucas, se eu pensar assim, não vou me tornar uma pessoa negligente e irresponsável?”. A minha resposta é um enfático NÃO! Quem pensa que sem cobranças, críticas e exigências as pessoas se tornam displicentes e descuidadas confunde respeito com medo, responsabilidade com obediência.

Você não precisa se cobrar o tempo todo e impor níveis absurdos de exigência sobre si mesmo para saber o que precisa fazer. É o contrário: o que você precisa de fato é confiar em sua capacidade autônoma de realização. Quanto mais você se cobra, mais está dizendo nas entrelinhas para si mesmo: “É… Realmente devo ser uma pessoa negligente e irresponsável já que preciso ficar me exigindo o tempo todo.”

Está vendo o que acontece quando você se critica e se exige de forma exagerada? Você começa inconscientemente a se vitimizar. Isso mesmo: quanto mais você se submete a um excesso de cobranças e acusações, mais você se sente… cobrado, acusado, oprimido. E toda pessoa que se sente assim começa a olhar para si mesma como coitadinha, como alguém que está vendo vítima de uma injustiça. O próximo passo é procurar um algoz externo, ou seja, alguém ou alguma coisa na qual o sujeito possa colocar a culpa por se cobrar tanto. Esse processo se chama autovimização e é um dos mais perigosos para a saúde emocional e para o amadurecimento, pois ele te fixa na posição da criança medrosa, oprimida por pais muito severos. Em outras palavras, você não se percebe como um adulto responsável, que possui falhas e comete erros, mas está sempre fazendo o melhor que pode. Para que você se veja como esse adulto, é preciso exercitar a autocompaixão.

O indivíduo autocompassivo não olha para si mesmo como um pobrezinho massacrado por um ideal de perfeição. Na verdade, para ele a perfeição é apenas isso: um ideal, ou seja, algo que só existe no mundo das ideias e não na realidade concreta. Assim, quando comete um erro ou quando percebe em si alguma falha, o indivíduo autocompassivo sabe que está em desacordo com a versão perfeita de si, mas, ao mesmo tempo, não toma essa constatação como um problema, mas como mais uma evidência da ordem natural das coisas, ou seja, de que no plano da realidade tudo é imperfeito mesmo e a gente faz aquilo que pode.

Consciente dessa imperfeição generalizada, o indivíduo movido pela autocompaixão se sente curiosamente liberto para se aperfeiçoar, ou seja, para tentar fazer sempre o melhor possível. Afinal, se a perfeição não é alcançável, o risco de errar se torna menos ameaçador. E não há nada que nos impulsiona mais ao desenvolvimento do que a ausência de medo. A autocompaixão faz com que você perca o medo de errar e, consequentemente, o torna mais livre para corajosamente buscar os acertos.

(*) Psicólogo/Psicanalista, Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ), Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ), Psicólogoclínico em consultório particular,  Psicólogo da UFJF-GV, Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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