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Sou mulher, mas este não é meu lugar de fala

FOTO: TV Câmara/Reprodução
Carolina Moreira (*)

“Mulheres, retomem sua feminilidade, tenham filhos, amem a maternidade, formem a sua família. Porque desta forma, vocês colocarão luz no mundo e serão, com certeza, mulheres valorosas”, disse o deputado federal Nikolas Ferreira, no dia 8 de março, na Câmara dos Deputados, em um discurso cercado de críticas e elogios.

No entanto o foco desta reflexão não é limitar-se ao que aconteceu na Câmara, no Dia Internacional da Mulher. Para além disso é trazer à luz algumas ideias que vêm sendo propagadas na mídia, sobretudo, nas últimas semanas, acerca da definição de como deve ser uma “mulher valorosa”.

São discursos vindos de homens, mas que nunca dizem respeito a eles. Aliás a lista de requisitos para atingir o que essa nova onda aparentemente conservadora espera de uma mulher parece pesar, unicamente, sobre os ombros dela.

A começar por: “Mulheres, retomem sua feminilidade”. Caro deputado, quem disse que nós a perdemos? Conforme consta no dicionário, a palavra feminilidade corresponde a “característica, particularidade ou estado particular da mulher”. Se é uma característica particular da mulher, por que há homens erguendo suas vozes para debater o que não é da particularidade deles? Eu também não sei.

Por que não usam toda essa energia para discutir meios de nos proteger da maldade praticada pelo próprio masculino contra nossas vidas? Afinal, a masculinidade é uma característica particular do homem. Poderiam debater mais, inclusive, sobre como a tão aclamada masculinidade tem estado frágil e violenta nos últimos tempos.

Será que a culpa é realmente do feminismo? Porque, pelo que as estatísticas mostram, não são as mulheres que andam ferindo, cometendo abusos e até mesmo matando umas às outras pelo simples fato de serem mulheres. Qual é o lugar do homem nessa história? A uma mulher que sofre, verdadeiramente, não interessa o que um homem fala sobre ela em público usando peruca. Mas o que os homens fazem conosco quando ninguém está vendo.

Daí, após muitas tentativas e frustrações, a mulher decide [quando sobrevive], ainda que de forma dolorosa, seguir a própria vida sozinha. E pronto! É coroada por parte da sociedade que se diz conservadora como a “feminista” que não quer ter família. Há sempre um título, uma definição para a mulher. Enquanto isso, o homem, mau ou bom, é apenas o homem.

Na sequência, o deputado diz “tenham filhos” [e os pais, estão inclusos?], “amem a maternidade” [mesmo se o homem nos abandonar com nossos filhos?], “formem a sua família” [com homens que se apresentam como cidadãos de bem e depois se revelam abusivos, frios, inseguros, violentos e traidores?]. Quando se fala em valores e conservadorismo, na sociedade atual, as responsabilidades do homem sobre a vida da mulher parecem evaporar. Isso é perceptível nos discursos e, mais ainda, na vida real.

As palavras “feminilidade” e “masculinidade” estão ganhando mais destaque nas discussões do que a própria vida. Nós somos violentadas diariamente em todos os âmbitos e a preocupação dos senhores é se vamos ou não ter filhos, cuidar da casa ou dividir nosso espaço com mulheres trans. Falando nisso, é sempre bom [e humano] lembrar que a expectativa de vida de transexuais no Brasil é de 35 anos.

Eu poderia falar sobre como é ser uma pessoa que destrói a autoestima, a dignidade, a saúde mental e os sonhos de uma mulher, deputado. Mas este não é meu lugar de fala. Essa é uma característica particular masculina. Uma particularidade que precisa, urgentemente, ser reconhecida e curada.

(*) jornalista e repórter do DIÁRIO DO RIO DOCE

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.


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