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Sobre o que perdemos

FOTO: Marcelo Gonçalves

BOB VILLELA (*)

O juiz decretou o fim do jogo. A espera acabou. O Fluminense, enfim, era campeão da Libertadores da América. O clube brasileiro dono de uma das camisas mais lindas do futebol mundial consagrava-se rei do torneio de mais garboso nome no esporte. Sim, a Champions League tem um nível técnico indiscutível e um charme irresistível. Os melhores estão lá. A excelência do esporte bretão desfila em gramados impecáveis de arenas abarrotadas de torcedores. Bilhões circulam na velocidade como os jogadores trocam passes, cruzam bolas e fazem gols. Tudo isso é verdade. Porém o nome Liga dos Campeões não chega nem perto do encanto de uma Libertadores da América. Só de ouvir falar a gente já arrepia.


Não sou tricolor. Meu pai era. Ele gostava do Fluminense sem fanatismo, sem qualquer exagero. Meu time sempre foi o Vasco, com uma tremenda simpatia pelo Atlético Mineiro. Depois que morei em BH, com a concomitante e crônica má fase do Gigante da Colina, passei a ser mais Galo, com uma tremenda simpatia pelo clube carioca. O avançar da idade nos amansa e ensina, de modo que hoje, muito mais do que os meus times do coração, eu aprecio o bom futebol e os bons momentos que ele proporciona — como as grandes finais de campeonatos —, e as lições que o esporte traz para outras esferas da vida. E quando o Fluminense sagrou-se campeão, por mais que eu não tenha comemorado de forma efusiva, fiquei satisfeito pela conquista brasileira e muito feliz pelo Fernando Diniz, o técnico tricolor.


Ao longo da semana que antecedeu o jogo não foram poucos os momentos em que o Diniz deixou bastante claro que o título, embora fosse um objetivo a ser alcançado e um sonho a ser realizado, não era exatamente o mais importante. O técnico, com uma lucidez desconcertante para um ambiente de uma virilidade retrógrada que é o futebol, vê como as maiores conquistas da sua carreira o convívio, o desenvolvimento humano, a história que se constrói nos treinamentos e fora deles. Ele é a antítese do técnico carrancudo, do técnico estrela, do técnico vaidoso, do técnico excessivamente… técnico. Sabe que precisa trabalhar, sabe que precisa estudar e sabe que precisa de resultados. Mas tem claro que não se trata simplesmente de ganhar ou perder. Trata-se de viver.


E não era para ser assim em todo campo? Outro dia, um grupo de alunos da agência de comunicação dos cursos nos quais eu leciono estavam se preparando para apresentar uma marca para um grupo de clientes. O trabalho foi muito bem desenvolvido, a pesquisa foi primorosa e o resultado ficou tão colorido e charmoso quanto à camisa do Fluminense. Em algumas ocasiões eu mencionei, de forma sutil, que a aprovação, ou não, da marca era o menos importante, já que o principal objetivo estava cumprido. Estudamos, pesquisamos, descobrimos, debatemos, desenvolvemos uma solução pertinente e convivemos em harmonia durante um tempo. Isso é o mais valioso para o time. Portanto já deu certo!


Não se trata de afirmar que vencer não importa, nem de nivelar nossa atuação por baixo e abrir mão de ter garra. Afinal, a vida não costuma ser condescendente com gente preguiçosa. Mas é o caso de entender que evoluir passa mais por derrotas, por “nãos”, por perdas, do que por glórias eternas como a Libertadores da América. É nas adversidades, muito mais do que em alegrias e vitórias, que forjamos caráter, potência, dignidade, humildade, senso de justiça e solidariedade. Ainda no gramado do Maracanã, no calor da maior conquista da carreira dele, Diniz deu os parabéns ao Boca Juniors e reiterou que era fundamental deixar de lado a dicotomia “vitorioso x derrotado”, pois após aquela peleja ambos eram vencedores. E tá errado?


“Olha lá quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar”. O trecho da maravilhosa O Vencedor, canção do clássico Ventura, do Los Hermanos, é uma lição para um mundo que há tempos insiste em consagrar apenas o sucesso. Quanto autoengano! Diniz não tem medo de perder. E parece ganhar muito com isso. Sinto que ele saboreia seus reveses como quem está diante de um banquete que o torna alguém melhor. E nós, envoltos em tantas ferramentas, informações, cobranças e metas, precisamos seguir esse caminho, que passa pela aceitação das limitações, pela admissão das falhas, por assumir os erros e por conviver em um nível no qual todos saiam maiores das jornadas. “A paz, a esperança e o vigor”, que Lamartine Babo escreveu para traduzir as cores do Fluminense no hino do clube, são a receita do que precisamos. Se fizermos assim, uma hora o gol vai sair.


Jornalista e publicitário. Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale. Instagram: @bob.villela | Medium: bob-villela.medium.com

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