Estados Unidos continuam no sonho valadarense

A notícia de que nesta terça-feira (21) a Polícia Federal realizou a prisão de alguns suspeitos de fazerem parte de uma organização criminosa em Governador Valadares que atuava na migração ilegal para os Estados Unidos foi apenas mais um capítulo da história de relação entre o município e o intenso fluxo emigratório na região. O sonho americano, ou melhor, o sonho valadarense ainda se alimenta da propaganda e do fascínio dos ideais de um futuro melhor naquele país.

“Há uma crença na região de que a emigração é uma alternativa boa para construir um projeto de vida, o que nem sempre é verdade”, disse a professora e pesquisadora sobre emigração Sueli Siqueira.

Quando o assunto é emigração e Estados Unidos, a chance de ter algum valadarense envolvido é muito grande. Mais que um estereótipo, a ideia de ir para um outro país é complexa e profunda, com raízes em mais de cinco décadas de história, que fomentam parte da cultura e do imaginário local. 

“A própria história da cidade é muito marcada por esse fenômeno da emigração. São mais de 50 anos de fenômeno migratório. O primeiro valadarense que emigrou foi na década de 60, e nesse período todo se formou o que nós chamamos de rede de acolhimento lá, e que também criou uma série de mecanismos que facilitam essa migração. Valadares foi o primeiro ponto do território brasileiro que a gente tem esse fenômeno da emigração internacional. E ao longo desses anos a emigração se tornou uma prática do que nós chamamos de cultura de emigração”, contou a pesquisadora Sueli Siqueira.    

Professora e pesquisadora sobre emigração Sueli Siqueira – Crédito: DRD/ TV Leste

O perfil do emigrante valadarense

Quem estuda o tema sabe que o fenômeno migratório na região que compreende o Vale do Rio Doce, de forma mais específica Governador Valadares, possui características específicas da realidade brasileira, mas com aspectos que são muito próprios de quem vive, cresce e conhece as pessoas do município. 

O motivo da tão cobiçada entrada nos Estados Unidos pode ser entendido de diferentes formas, quando se observa a questão histórica. Atualmente, o que os estudos apontam é quase que um recorte da dificuldade de projetar um crescimento profissional de alguns valadarenses. O perfil dos emigrantes mudou com o passar do tempo, e aqueles que hoje se aventuram a ir de forma ilegal para o país norte-americano carregam na mala a esperança de encontrar em terras mais distantes uma oportunidade profissional com remuneração mais satisfatória.

“As pessoas migram na faixa de idade em que são mais produtivas, entre 20 a 45 anos. Criou-se então no imaginário popular que migrar é algo positivo. A partir da emigração eu consigo realizar os meus projetos de melhoria de vida, de conhecer coisas novas, e tudo isso é atrativo. Em contrapartida, nós temos hoje, de acordo com os estudos que temos realizado têm demonstrado, uma falta de esperança, uma falta de expectativa de que aqui vai ser possível eu construir um projeto de vida e oferecer melhores condições de vida. Essa falta de esperança tem mobilizado essa modalidade de emigração que é a chamada ‘cai-cai’.” 

Vista do bairro Carapina, em Governador Valadares – Crédito: Leonardo Morais/ Prefeitura de Governador Valadares

Em busca de uma oportunidade de trabalho

Segundo a secretária municipal de Desenvolvimento, Beatriz de Almeida, o aumento no fluxo emigratório tem impactado as empresas e comércios da cidade na hora de preencher as vagas que estão abertas.     

“A gente vivencia aqui na Secretaria Municipal de Desenvolvimento várias empresas que chegam para a gente falando que estão perdendo funcionários com anos de experiências nas empresas, que estão migrando para outros países, como Estados Unidos e Portugal. Esse fluxo migratório aumentou bastante. A gente teve aí uma situação recorde de migração em 2021 e que vem muito desse fluxo de Governador Valadares e região para fora.” 

Ainda de acordo com a secretária, o que é possível entender sobre esse fenômeno atualmente pode ter relação com dois pontos importantes: a pandemia da covid-19 e a oferta de serviço lá nos Estados Unidos.

“O represamento no ano de 2020, que foi o primeiro ano da pandemia, em que as pessoas deixaram de ir pelo fechamento dos aeroportos, represou o número de pessoas que estavam planejando ir. Em 2021, com essa abertura, com o dólar muito valorizado, com as oportunidades de emprego que estavam disponíveis e com toda essa rede de contato que os valadarenses têm lá, esse fluxo migratório aumentou muito, então as empresas daqui têm sofrido com a perda de profissionais”, destacou Beatriz de Almeida. 

Secretária municipal de Desenvolvimento, Beatriz de Almeida – Crédito: DRD/ TV Leste

O panorama do mercado de trabalho em Governador Valadares

Outro ponto de destaque no assunto emigração, no contexto de Governador Valadares, é a percepção de que cada vez mais profissionais qualificados têm buscado fora do país um lugar no mercado de trabalho. “Nós temos também o movimento emigratório de pessoas que são qualificadas, que estão emigrando com documentação e que estão indo por causa da mesma falta de perspectiva de futuro no país. Isso é extremamente preocupante na região, como também no país inteiro”, explicou a professora Sueli Siqueira. 

Sobre o cenário de oportunidades profissionais na cidade, a pesquisadora Sueli Siqueira faz algumas ponderações nas causas da escassez de mão de obra que algumas empresas têm encontrado. 

“A questão da falta de mão de obra hoje aqui na região é um conjunto de fatores. Hoje a gente tem um crescimento muito grande da atividade individual, isso em função, principalmente, de que os salários pagos muitas vezes não são o suficiente para manter a vida. Antes havia um grande desejo de ter a carteira assinada, porque havia muitas vantagens de ser contratado pela CLT. Hoje as vantagens não são tantas assim, e isso torna esse tipo de emprego menos atrativo, uma vez que se tem outras possibilidades de ter uma renda maior. Evidentemente que muitos deixam seus empregos para migrar, mas esse não é o único fator dessa pouca oferta de mão de obra nas atividades não qualificadas.” 

Vista aérea de Governador Valadares – Crédito: Reprodução/ Prefeitura de Governador Valadares

Na avaliação da secretária de Desenvolvimento, é necessária uma ação entre os diversos setores econômicos e membros da sociedade civil para debater soluções tanto para a questão do mercado de trabalho quanto do aspecto social, no que se refere ao fenômeno da emigração.

“Eu acho que a sociedade valadarense tem que se unir em relação ao poder público, as instituições e os empresários para que a gente consiga reverter esse quadro de uma economia subdesenvolvida e buscar o desenvolvimento econômico pelas novas formas da economia, trazer inovação e novas possibilidades que permitam que os cidadãos de Valadares tenham uma qualidade e permaneçam em segurança em seu lar, se assim desejarem”, disse Beatriz de Almeida.

Além da sedutora ideia de buscar oportunidades fora do país, a questão da falta de mão de obra pode ser entendida pelo olhar da migração quando é analisada a dificuldade que o município tem de atrair profissionais que se interessem em investir o seu conhecimento no mercado de trabalho da região.

“Valadares hoje, a região e principalmente o município não é muito atrativo para a migração interna. Hoje nós não temos essa chegada de pessoas por aqui. Pelo contrário, nós temos pessoas saindo para outras cidades. Então nós temos Valadares como um ponto de partida da migração internacional e na migração nacional, essa migração interna. Isso pode causar esse esvaziamento da mão de obra em uma determinada faixa etária”, explicou a professora Sueli Siqueira.

Governador Valadares pelos dados do IBGE

Segundo dados do IBGE, em Governador Valadares, com os mais de 270 mil habitantes, há a estimativa de que o salário médio mensal dos trabalhadores formais seja de 2 salários mínimos. O último levantamento feito pelo instituto ainda apresenta que 64% de tudo o que é produzido anualmente na cidade está ligada ao setor de serviços, 12% pertence às atividades industriais e 1% à agropecuária.

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