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Bola de embalar vida

FOTO: Divulgação
Bob Villela (*)

“Há um menino / Há um moleque / Morando sempre no meu coração / Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão”. Bola de meia, bola de gude é uma das músicas mais encantadoras que eu conheço. Uma melodia pura, mas madura. Um recado simples, mas firme. Uma tradução perfeita da relação que temos com nossa infância e nossa vida adulta.

Essa joia composta por Milton Nascimento e Fernando Brant sempre me traz outras lembranças. A primeira vez que a escutei com cuidado, quando fui arrebatado pela potência da música, curiosamente, não foi na voz de Bituca. Era 1999, eu era um estudante passeando em BH. Estava na capital para curtir a edição daquele ano do extinto festival Pop Rock Brasil. Mas não tocou Bola de meia, bola de gude no evento.

Estávamos hospedados no apartamento da tia da eterna e saudosa amiga Dhâranâ Moro. Meu queridíssimo amigo Juliano “Bodão” fazia parte do grupo. Inclusive viria a se casar com a Dhâranâ anos depois, escrevendo uma linda história e dando ao mundo o Arthur, um presente para quem o conhece. Enfim, voltando a 1999, em um passeio no Carrefour do BH Shopping durante o dia, muito antes do festival, o Bodão comprou um CD do 14 Bis.

O álbum era o Bis. Era maravilhoso! (Ainda é!). E a primeira música era (Ainda é!) Bola de meia, bola de gude. Um arranjo lindo, um som cristalino, a participação do Samuel Rosa. Nunca mais deixei de prestar atenção naquela música. “Há um passado no meu presente”, diz um dos seus versos. Há vários. E aquele momento de descoberta é um deles, gravado como um hit na memória. O Bodão ainda comprou o icônico Gilberto Gil Unplugged — adquiri um também, meses depois, e o tenho até hoje. Quando tocou Tempo Rei eu flutuei.

Mas voar, eu voei mesmo naquele fim de semana foi com o 14 Bis. Vai ver que é porque eu sempre tentei ser algo que aquela música narra. “Toda vez que a bruxa me assombra o menino me dá a mão / E me fala de coisas bonitas / Que eu acredito que não deixarão de existir / Amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor”. Aquilo era como uma receita para viver a vida. (Ainda é.)

“Toda vez que o adulto balança” eu tento recorrer à malemolência do moleque. Nem sempre funciona, mas quando dá certo fica tudo bem mais fácil. Eu brinco, experimento, escuto, mudo a ordem das coisas, desejo algo com ingenuidade e ímpeto. Munido do que o adulto reuniu ao longo de tantas histórias, coloco-me também à disposição de qualquer menino-acaso, qualquer saci-pererê que só se vê se a criança não morrer. Se o cachimbo não cair.

Saciado, por sinal, fico na sede onde reside a essência desse relacionamento entre gerações. Tipo quando o Thomas, meu aluno do primeiro período de Publicidade e Propaganda, um moço de primeira grandeza, envia o link com a história do Gabriel Pereira Santos, um adolescente de Alagoas que já cria capas para produtos da Netflix. Deu na BBC News Brasil. E deu muita vontade de continuar pensando que o país segue reunindo condições para ser protagonista. Tudo por causa de seus “moleques” gigantes.

Ter papel de destaque passa, no entanto, por entender que não existe apenas bola de futebol. Curiosamente, há uns 15 anos a Nike lançou a campanha internacional “Rala que Rola”. Rola sim. É só parar de acreditar em bola de cristal e entender que o futuro cabe à nossa coragem de adulto que reflete e moleque que ousa. Tente fazer assim. Pode começar rolando inocente, como bola de meia, de gude. Mas depois tem que evoluir para a maturidade do auge da letra. “Pois não posso, não devo, não quero / Viver como toda essa gente insiste em viver / E não posso aceitar sossegado / Qualquer sacanagem ser coisa normal”. Era sobre isso. (Ainda é.)


Bob Villela
Jornalista e publicitário.
Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale.
Instagram: @bob.villela
Medium: bob-villela.medium.com

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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