[the_ad id="288653"]

Babilônias

FOTO: Freepik
Bob Villela (*)

Babilônia era uma cidade na Mesopotâmia, onde hoje é o Iraque. Cá no Brasil, a gente costuma dizer que num lugar onde está uma Babilônia quando há muita gente, de vários lugares, etnias e idiomas. Quando rola uma confusão gostosa, cheia de diversidade e formas de ver o mundo e falar sobre ele, está formada a Babilônia. O universo dos streamings de audiovisual no Brasil anda bastante babilônico. Tanto que, ironicamente, hoje a gente tem até dificuldade para saber onde diabos vai passar o jogo do nosso time — ainda bem que ando sem tempo para ver jogos; assim, sofro menos.

No início do ano, o jornalista Paulo Vinícius Coelho, o gigantesco PVC, fez um movimento que chamou a atenção. Ele trocou a Globo pelo canal Paramount+, que está transmitindo jogos da Libertadores e da Copa Sul-Americana. Em sua participação no podcast Flow Sport Club — um dos programas mais bem-sucedidos da Babilônia em áudio — PVC afirmou que a nova casa prometeu a ele a oportunidade de fazer mais jogos dentro do estádio, e não apenas dentro de estúdios. Isso, segundo ele, fez toda a diferença na tomada de decisão. Seu argumento é claro e belíssimo: sendo um jornalista, ele precisa estar na “cena do crime” para captar a maior parte das nuances do espetáculo.

O compromisso do PVC com a profissão é uma coisa comovente. Dono de uma memória impressionante, dedicado e assertivo, poderia viver de sua fama em confortáveis estúdios no Rio ou em São Paulo. Em vez disso, viaja, fica em hotéis, pega metrô e trens, olha para as arquibancadas, sente o cheiro de gente para levar ao telespectador o comentário mais fiel possível ao que está acontecendo. Em um tempo no qual o jornalismo — e a comunicação, de modo geral — atua gastando cada vez menos sola de sapato nas ruas, PVC é um oásis. Estudantes, profissionais e, sobretudo, empresas da área deveriam observá-lo.

Tem outra coisa maravilhosa que o comentarista falou ao podcast. Contou que decidiu que queria trabalhar com jornalismo esportivo aos 14 anos de idade. E, em 1986, aos 16, durante uma disputa de terceiro lugar de Copa entre França e Bélgica, resolveu que preferia viver sete dias por semana trabalhando do que morrer cinco dias e viver apenas dois.

Pegaram essa? Não é lindo?! Por falar em morte e por falar em França, o genial duo francês Daft Punk decretou seu fim em 2021. Eles são superficialmente reconhecidos pelo público por ter um som “eletrônico”, bem sintético, de pistas. Entretanto o que alguns pensam ser apenas hits para tocar em verões europeus é um primoroso trabalho. Algo quase artesanal, de mistura de samples (trechos de músicas) e muita originalidade para compor pérolas que se eternizaram.

O Daft Punk sempre fez de seus sons uma espécie de Babilônia perfeita. Tal qual o PVC, eles jamais buscaram o caminho mais fácil, mas aquele mais honesto para o público. Recentemente saiu uma edição comemorativa de 10 anos do estupendo Random Access Memories, o último álbum dos franceses. Como de praxe em lançamentos dessa natureza, há sobras de estúdio, demos e músicas inéditas. Fugindo ao que é de praxe em lançamentos dessa natureza, tudo é sublime. Tento levar parte da dedicação desses caras ao que faço sampleando o pouco que conheço e chamando o que há de bom em mim e no mundo para conversar. Um dos sons mais celebrados que a novidade trouxe é Infinity Repeating, com participação do Julian Casablancas, da banda The Strokes.

A música é etérea, linda. E Julian Casablancas é brabo. O pai dele, John Casablancas, fundou a icônica agência Elite Model e colocou as modelos em outro patamar. Foi um dos responsáveis por levar ao Olimpo os maiores nomes das passarelas, inclusive, Gisele Bündchen. Já o rock ganhou um novo impulso nas portas do século XXI quando The Strokes lançou Is This It, um álbum sensual, urbano, despojado e dançante. A banda já não vive mais seu auge, mas segue muito cultuada por muita gente. Eu, por exemplo, quando escuto os caras sinto a suspensão de parte do estresse.

“Suspenderam”, por sinal, “os jardins da Babilônia”. Faz algum tempo, eu sei. E Rita Lee também sabia muito. Tanto que cantava, escrevia, debochava. Não sei se ela conhecia o PVC — e estou sem tempo para pesquisar a respeito. Também não sei se ela curtia The Strokes. Fato é que a banda tem uma música bem pra cima chamada You only live once. Em bom português: você só vive uma vez. O PVC, inteligentíssimo e culto, leva isso a sério e vive os sete dias da semana com intensidade. Sempre que possível, na “cena do crime“.

Rita Lee também foi a mais completa tradução da letra. Mutante, viveu como quis e converteu-se em lenda antes mesmo de sair de cena. Tipo o Daft Punk. Só nos resta o esforço para que tudo isso nos inspire a ousar. Acho que é esse o flow.


(*) Jornalista e publicitário. Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Univale. Instagram: @bob.villela | Medium: bob-villela.medium.com

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

[the_ad_placement id="home-abaixo-da-linha-2"]

LEIA TAMBÉM

Melhor lugar

🔊 Clique e ouça a notícia Neste mundo, estamos em constantes e frenéticas mudanças, sejam físicas, temporais ou espaciais. Desde muito tempo, ouvimos muitas frases, referentes a lugares onde estamos

A crise moral na pós-modernidade

🔊 Clique e ouça a notícia Vivemos em uma era marcada por profundas transformações culturais e sociais, onde a crise moral tem se sobressaído de maneira sutil, mas impactante. Em

Aprendendo mais sobre hackathons

🔊 Clique e ouça a notícia Se você está por fora do que é um hackathon, não se preocupe, porque hoje é o dia de entender como esse evento pode

‘I have a dream’

🔊 Clique e ouça a notícia Não importa se parodiando Martin Luther King ou o grupo ABBA. “Eu tenho um sonho”, de magnitude ímpar, se coaduna com caminhadas terrenas de