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Depressão: quando o melhor ataque é a defesa

(*) Dr. Lucas Nápoli

Ao lado dos transtornos de ansiedade, a depressão ocupa hoje lugar de destaque entre as formas de adoecimento emocional que mais aparecem nos consultórios de Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. Isso se deve em parte a um aumento real na incidência de episódios depressivos na população, mas também ao fato de que tanto o senso comum quanto o próprio campo psicopatológico passou a chamar de depressão uma série de condições emocionais que nem sempre se assemelham. Isso faz com que tanto uma pessoa que se queixa de cansaço frequente e baixa motivação para o trabalho quanto alguém que afirma ter reiteradas crises de choro durante o dia sejam ambos diagnosticados como deprimidos.

Em outras palavras, o diagnóstico de depressão, assim como o de “transtorno de ansiedade generalizada”, tornou-se o equivalente no meio psicológico às “viroses” no âmbito da medicina física. Essa facilidade com que o diagnóstico de depressão é fornecido nos faz perder de vista o atributo mais específico dessa forma de adoecimento emocional. Por isso, meu propósito neste texto é tratar justamente do elemento que de fato caracteriza a depressão e a diferencia de outras modalidades de transtorno psicológico.

Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, a característica mais básica da depressão não é a tristeza constante e intensa, mas uma redução significativa da vontade de viver. Biologicamente somos seres movidos por uma pulsão de vida. É esse impulso fundamental que promove o crescimento e o desenvolvimento do nosso corpo. Psicologicamente, essa pulsão se expressa por meio do desejo de estar vivo, de se manter vivo e de se expandir. Vida é sinônimo de expansão. Tudo o que é vivo cresce, se desenvolve e amplia suas possibilidades. Portanto, nós temos uma tendência natural para amar a vida e buscar realizar nossos potenciais, o que, amiúde, implica no estabelecimento de composições e associações com outras pessoas. Nesse sentido, podemos dizer que somos seres naturalmente inclinados a formar vínculos tanto com outras pessoas como também com animais, coisas, ideias e instituições.

Quando passamos por um episódio de depressão, ocorre um rebaixamento expressivo dessa vontade de viver que tende naturalmente a nos governar. É por isso que o indivíduo deprimido começa a se isolar de familiares, amigos e colegas. Na depressão ocorre um movimento regressivo da energia vital: ao invés de se voltar para o mundo e para as pessoas visando a ampliação das possibilidades de vida, a energia regride para o próprio indivíduo. Não por acaso, pessoas deprimidas costumam ser egocêntricas, o que frequentemente gera impaciência e dificuldade de compreensão por parte de quem está à volta. Com efeito, é muito comum que o deprimido fique pensando o tempo todo (e eventualmente falando) sobre seus defeitos, seus erros do passado, suas impotências e dificuldades. É tudo sobre si. O indivíduo só consegue pensar nele mesmo porque o fluxo de sua energia vital não segue mais uma direção centrífuga, mas centrípeta, ou seja, não mais expansiva, mas defensiva. A pessoa deprimida se comporta de forma análoga a um time de futebol que joga “na retranca”.

Tomemos, então, essa analogia como ponto de partida para falarmos um pouco sobre a gênese da depressão, ou seja, sobre como e por que alguém se torna deprimido. Pois bem, quando um time de futebol joga na retranca, isso geralmente acontece porque o treinador entende que os times adversários são perigosos e, portanto, é menos arriscado ficar na defesa do que partir para o ataque. Da mesma forma, o indivíduo entra na condição depressiva após vivenciar um episódio de opressão abrupto e muito intenso ou depois de passar por uma série de pequenas opressões que se mantiveram constantes durante muito tempo. Com o termo “opressão” me refiro a situações em que o indivíduo se sente tolhido, limitado, coagido pela realidade externa. Por exemplo, a experiência de ser traída pelo namorado, a experiência de passar anos em um trabalho desgastante, desagradável e no qual a pessoa não consegue ver sentido, a experiência de ser constantemente insultado pelos pais ou por colegas etc.

Situações como essas fazem com que o sujeito sinta sua potência de expansão ser reprimida. Pense na imagem de uma pessoa presa numa caixa, incapaz de se levantar, de abrir os braços, de andar. É assim que o deprimido se sente. A realidade se apresentou para ele (ou vem se apresentando) de forma tão dura que o sujeito inconscientemente passa a “jogar na defesa”. É como se dentro dele tivesse sido instalado um programa que lhe dá todos os dias a seguinte instrução: “Não se movimente, não fale, não procure pessoas, não confie em ninguém, não deseje trabalhar. Viver é perigoso, a vida não vale a pena.”.

Portanto, a tristeza, os pensamentos de suicídio, a falta de desejo sexual, as crises de choro etc. são, na verdade, sintomas derivados desse fenômeno mais básico que é a redução significativa da vontade de viver, do impulso natural de expansão com o qual já nascemos equipados. É por isso que os medicamentos antidepressivos não são suficientes para o tratamento da depressão. A cura dessa modalidade de adoecimento só é possível mediante o resgate da capacidade do sujeito de olhar para o mundo com bom ânimo, com a disposição corajosa de se jogar na realidade num movimento de expansão e ampliação de possibilidades. Voltando à nossa analogia, o tratamento da depressão deve ter como alvo a transformação de um time retranqueiro em uma equipe ofensiva, que persegue o gol até o último minuto do jogo.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular;  Psicólogo da UFJF-GV; Professor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor do livro “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.

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