Caros leitores, há um paradoxo na educação do nosso país. O Brasil, eternamente chamado de “país do futuro”, vive uma febre coletiva de nostalgia perversa. Enquanto as manchetes gritam sobre o déficit de professores, esconde-se uma verdade muito mais cruel: não faltam apenas corpos em sala de aula — faltam mentes preparadas para o século XXI.
Estamos diante de um projeto sistemático de obsolescência educacional. O governo, em todas as esferas, promove uma realidade paralela deliberada. Enquanto o mundo debate os impactos da inteligência artificial generativa, os algoritmos que moldam nossa existência e a robótica que redefine o trabalho, nossas salas de aula, quando existem, parecem cápsulas do tempo dos anos 1980 e 1990. Professores, muitos deles abandonados à própria sorte, repetem currículos defasados para alunos que, do lado de fora da escola, navegam em um universo digital que a educação oficial insiste em ignorar.
Esta não é uma crítica aos professores, mas ao sistema que os transformou em curadores de um museu do conhecimento obsoleto. Como podemos exigir que preparem jovens para um mundo que o próprio Estado se recusa a entender? Enquanto empresas automatizam processos e algoritmos ditam desde nosso consumo até nossas relações, a educação brasileira insiste em formar analógicos para um mundo digital.
A filosofia nos ensina que a educação deve preparar para a vida. Mas que vida estamos preparando? Uma vida de exclusão tecnológica? De analfabetismo algorítmico? A fragmentação social nunca foi tão perigosa. De um lado, uma elite conectada ao futuro; do outro, uma maioria condenada a um passado que não volta mais.
Essa não é mera incompetência administrativa — é uma estratégia de governança. Um cidadão imerso no “Museu da Ignorância” é mais maleável, mais suscetível ao populismo e menos capaz de exigir accountability dos governantes. A obsolescência educacional é o combustível da política do ressentimento. Enquanto a discussão pública é sequestrada por guerras culturais anacrônicas, a estrutura real de poder permanece intocada — pois não há massa crítica suficiente para questioná-la.
A Ignorância Programada gera uma cidadania de baixa intensidade, que vota, mas não compreende os mecanismos complexos de poder que a oprimem. A crise educacional é, portanto, um projeto de exclusão em massa. Ao negar o presente e sabotar o futuro, condenamos gerações à irrelevância econômica e à dependência eterna.
O mesmo Estado que anuncia programas de inclusão digital é o que mantém uma educação que produz excluídos digitais em escala industrial. Enquanto isso, a nostalgia vira política de Estado. Discute-se ideologia, mas se ignora a mais urgente das realidades: o capitalismo cognitivo do século XXI exige pensamento crítico, adaptabilidade e fluência tecnológica — habilidades que nosso sistema ativamente suprime.
O resultado é um apartheid socioeconômico disfarçado de desigualdade. A elite, que pode acessar escolas internacionais e ferramentas de ponta, forma seus filhos para liderar e inovar. A grande massa, presa à educação pública estagnada, é formatada para ser mão de obra barata, substituível e, cada vez mais, desnecessária.
O sistema, assim, autorreproduz a desigualdade. A sala de aula-museu não é um acidente; é a peça central de uma engrenagem que precisa de uma população pacificada e despreparada para manter o status quo. O futuro chegou, e o país escolheu continuar olhando para trás.
Nossos jovens serão as primeiras vítimas dessa aposta criminosa no atraso. Ou quebramos este ciclo de ignorância programada, ou seremos não o “país do futuro”, mas o país que trocou o futuro por uma lembrança embalada a vácuo.
Não precisamos formar apenas mais professores — precisamos formar uma nova educação.
Uma que substitua a decoreba pelo pensamento computacional; que troque a reverência ao passado pela alfabetização midiática; e que ensine, acima de tudo, a aprender, desaprender e reaprender em um mundo em constante mutação.
Antes que o futuro nos engula de vez, é preciso fechar este museu e inaugurar um laboratório de possibilidades.
A hora é agora, pois o trem da história não espera por passageiros nostálgicos.
(*) Jornalista e Escritor | Especialista em Ciência Política
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